Ceuta

Foi em 1415 que um reino estável, com as finanças em ordem, um rei ambicioso e montes de infantes temerários e sem nada para fazer decidiu partir à aventura. Na altura falou-se muito em atacar o reino de Granada mas D João I não alinhou na maluquice. Não lhe interessava criar um novo foco de conflitos com Castela, isto apesar da olímpica bordoada que lhes tinha dado 30 anos antes. Foi então decidido que o primeiro passo da expansão Portuguesa seria dado na direcção de Ceuta.

Ceuta era uma importante cidade no norte de África Berbere. Aí confluíam rotas comerciais que abasteciam o Mediterrâneo de ouro, escravos e marfim vindos do interior do continente africano. Existiram vários tipos de argumentos para irmos a Ceuta, geoestratégicos ( era um dos pontos de entrada no Mediterrâneo), económicos (já falei ali atrás lembram-se?), religiosos (matar muçulmanos e continuar a abastecer deus de matéria prima), etc e tal.

A expedição foi preparada com muito cuidado e quando se fez ao mar, tornou-se num conjunto de disparates e asneiras. Correu tudo mal, à excepção óbvia do resultado, que foi uma vitória. Mais de 1/3 da frota apanhou uma corrente qualquer manhosa e foi parar bem dentro do Mediterrâneo sem terem visto Ceuta nem de passagem. Os que deram com o sítio certo, ainda se dividiram em dois grupos, uns seguiram o rei D João I e atacaram no sítio que era suposto atacarem, os outros foram atrás do infante D Henrique e acabaram por atacar as muralhas de Ceuta por outro sítio completamente diferente. Com o passar do dia e da batalha, D João I ficou muito triste pensando que o seu rebento Henrique tinha sido rebentado, mas no entanto ele e o seu grupo foram os primeiros a penetrar nas muralhas. Ainda o rei estava do lado de fora e já o infante estava em Ceuta a fazer aquilo que os europeus ocidentais, civilizados e tementes a deus melhor faziam, a matar tudo o que se mexia à sua frente. Foi a prova conclusiva de que é verdadeiro aquele cliché que diz que o herói é o imbecil que foge na direcção errada quando as coisas dão para o torto.

Ceuta manteve-se em mãos portuguesas muitos anos. Depois da nossa perda da independência continuou governada por portugueses, mesmo durante o governo dos filipinos (reis, não as bolachas redondas de chocolate). Depois da nossa restauração em 1640 o pessoal em Ceuta resolveu não reconhecer legitimidade à casa de Bragança para reinar em Portugal e preferiu ficar com Espanha (porventura adivinharam que um dia muito longínquo tal casa produziria um D Duarte Pio). Não foi a última vez que o pessoal em Ceuta manifestou um estranho conceito de lealdade já que anteriormente tinham permitido a passagem do exército berbere que arrasou o reino Visigótico e posteriormente apoiaram Franco no seu ataque à República Espanhola.

Enfim, chega de história. Cheguei a Ceuta eram 15h15. Sempre tive curiosidade em conhecer a terra por onde começámos a fugir ao nosso destino miserável apenas para regressarmos muitos anos depois tão miseráveis como à partida. Tinha esperança de encontrar algo de exótico, de diferente, afinal de contas apesar de continuar no mesmo país (Espanha) tinha trocado de continente. Confesso que fui à procura de África e de Marrocos mas o que encontrei foi apenas mais uma cidade espanhola, se bem que noutro continente. Iniciámos uma caminhada a pé com destino a nada de especial. O objectivo era passear um bocado, comer e voltar para o barco porque do lado europeu ainda havia onde ir. Cruzei-me à entrada de Ceuta com uma rotunda com o infante D Henrique a apontar caminho sabe-se lá para onde. Provavelmente para Tânger onde deixou o seu irmão morrer aprisionado para não ter que entregar Ceuta aos mouros.


Dei a volta pela fortaleza e contornei o fosso da mesma. Fui em direcção à parte mais antiga da cidade em busca de algo de diferente mas não encontrei nada.


Portugal está muito presente em Ceuta. Nota-se nos nomes das ruas e até nas armas da cidade que ostentam um escudo português e mantêm as cores da cidade de Lisboa. Encontrar um local para comer foi uma aventura e só depois de muito procurar encontrámos um bar com um nome bastante suis generis (guardem as piadinhas para vocês se fazem favor) onde se depenicaram umas tapas para encher o estômago.


Depois disso foi regressar ao barco e esperar pela viagem de regresso à Europa. Apesar de umas quantas fotos bonitas, Ceuta foi uma completa desilusão. Não há lá nada que não pudesse existir em qualquer outra cidade espanhola, a não ser claro, a paisagem natural que é formidável. Nem os bazares marroquinos, nem as ruas com as esplanadas. Ceuta é apenas um pedaço de Europa enxertada em África. Se lá voltar será apenas de passagem para Marrocos.


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