Djeb - El - Tariq

A história tem estórias engraçadas. Em 711 O Conde Julião, governador de Ceuta, fez um acordo com um general Berbere e emprestou-lhe barcos para atravessar as colunas de Hércules. Ele não ia muito à bola dom o rei dos Visigodos, um tal de D Rodrigo (sem qualquer relação aparente com os doces regionais Algarvios) e o facto de ele ter seduzido e abandonado a sua filha não ajudou muito à festa. Então tivemos aquilo que é usual ser caracterizado por uma "salada russa", apesar de não haver na altura qualquer indicação do que viria a ser a Rússia. O conde da última cidade sob domínio Bizantino no Mediterrâneo ocidental, faz um acordo com o emergente império Muçulmano para ajudar a dar cabo do reino Visigótico. Para complicar um pouco mais deixem-me usar outras palavras, uma cidade de um império em decomposição ajuda um novo império em composição para destruir um reino já decomposto. O resultado conhecemos dos livros de história. Os berberes, liderados por Tariq Ibn Zyad invadem o sul da Hispânia, dão um arraial de porrada a D Rodrigo na batalha de Guadalete e em 7 anos são senhores de quase toda a península ibérica. Vem daqui o nome de Gibraltar, no original, Djeb - El - Tariq, ou seja, "o monte de Tariq".

 
Qualquer pessoa que consiga olhar para um mapa percebe imediatamente a importância estratégica deste ponto. Controla a entrada no Mediterrâneo e convém não nos esquecermos que até à expansão europeia para os outros continentes era o Mediterrâneo e não o Atlântico a pedra giratória de toda a geopolítica. Passados muitos anos houve um rei espanhol que morreu sem deixar descendência. Vai daí os Bourbons que reinavam na França entenderam que tinham direito à coroa espanhola, e até tinham. Vai daí, uma coligação enorme de outros estados europeus achou que não era boa ideia a poderosa França e a ainda algo poderosa Espanha estarem juntas sob o mesmo rei e houve a inevitável porradaria. Essa guerra ficou conhecida como a guerra da sucessão espanhola e a coligação foi liderada pela Inglaterra e teve como aliados, entre outros, a Holanda e Portugal. Um belo dia um tipo qualquer Inglês achou boa ideia conquistar Gibraltar e juntou uma força de ataque Anglo-Neerlandesa com apoio Português. Lá foram cantando e rindo e ainda mais cantaram e riram quando conquistaram o rochedo aos espanhóis. Pelo tratado de Uttrech que marcou o fim da guerra em 1700 e qualquer coisa Gibraltar foi cedida ad aeternum à Inglaterra, facto que ainda hoje se mantém, apesar da Inglaterra ser agora o Reino Unido e da Espanha ser agora a Espanha. Com o passar do tempo, os espanhóis fizeram inúmeras tentativas para recuperar Gibraltar, tentativas essas sempre frustradas. Houve cercos que não mataram a população do rochedo à fome (e muito para isso contribuíram pescadores e contrabandistas de Olhão), houve ataques que esbarraram na geologia de Gibraltar que foi transformada numa fortaleza, houve referendos que terminaram com votações na ordem dos 99% contra a integração em Espanha.
Atravessar a fronteira para Gibraltar é entrar num país completamente diferente. Se na travessia para Ceuta sentimos que estamos no mesmo país, apesar de termos trocado de continente, na travessia da fronteira gibraltina temos a certeza que estamos num país diferente. Para começar, os polícias Britânicos sorriem à entrada o que marca logo uma diferença abismal para com os seus colegas espanhóis. Depois há toda uma singularidade e familiaridade anglo-saxónica no trato das pessoas. Infelizmente chegámos tarde a Gibraltar, já passava das 20 horas. Depois de estacionar o carro encostado a uma muralha que dizia "Arsenal Ocidental" fizemos uma pequena incursão pela baixa gibraltina. Estava quase tudo fechado mas deu para perceber que estamos numa tax free zone. As inevitáveis lojas de tabaco e bebidas alcoólicas, umas quantas livrarias, muitos cafés e pubs. Na Irish town o ambiente é tão Irish quanto possível, apesar da hora ser muito proveta para os inevitáveis concursos de borracheira colectiva. Continuámos a explorar a zona até descobrir um sítio onde comer, o que encontrámos, sem que antes eu me tivesse detido junto a uma loja que vendia inúmeras lembranças, incluindo canecas com frases daquelas chamadas lapidares. Estava eu numa alegra galhofa por causa das canecas quando ouço algo parecido com : "Pode entrar, estamos em arrumações mas da sempre para atender conterrâneos". Ora lá está, mais uma verdade absoluta, não há lugar cagado por deus neste planeta onde não se encontre um Português. Não era um, era um casal maravilhoso de Abrantes que estão em Gibraltar há uns 30 anos. Conversa puxa conversa e o Evaristo mais a Zeta ganharam uma prendinha de natal cada um e saímos de lá mais bem dispostos do que tínhamos entrado.
Hora de jantar e vai de entrar num dos muitos pubs que encontrámos. Entre a grande variedade daquilo a que se convencionou num dia de nonsense chamar "cozinha inglesa" eu servi-me de uma jacked potato. Para os leigos, é uma batata gigante assada e aberta ao meio com um recheio à escolha do cliente. O meu era chilli com carne e cheddar cheese.


Não estava tão intragável como à partida pensei mas é daquelas coisas que se comem bem uma vez por década. Depois do jantar com muita pena foi hora de regressar. 23 horas é bom para sair, quando se está a 360 quilómetros de casa. Não deu para dar a volta a Gibraltar, nem para subir ao topo do rochedo. Não foi possível investigar as grutas com as peças de artilharia ainda lá escondidas, nem conseguimos tirar fotos aos macaquitos do rochedo, que são os únicos que vivem livres na Europa, isto apesar do que dizem das claques de futebol.
Um dia regresso, e com tempo. Vale a pena explorar bem este pedacito do Reino Unido que está aqui tão próximo de nós. A próxima vez vou para lá directamente e fico lá o dia inteiro ou um fim de semana. Muito mais do que Ceuta, Gibraltar merece ser conhecido, de uma ponta à outra.

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