Crónica de um naufrágio anunciado

Em jeito de balanço, há algumas coisas que queria dizer sobre a participação de Portugal no mundial de futebol.
1 – Já não tenho muita paciência para selecções de futebol, confesso. Não sei bem quando começou o divórcio nem quando o mesmo se oficializou, sei que o meu clube me faz vibrar muito mais do que a selecção. Tempos houve em que as selecções eram o conjunto dos nossos melhores jogadores. A globalização futebolística ainda não tinha atingido a dimensão actual e quando olhávamos para a convocatória dos seleccionados, quase todos eles jogavam em Portugal além do facto de serem mesmo todos Portugueses. Hoje isso mudou. Nem venham com a conversa da xenofobia porque quem me conhece sabe que não tenho uma única molécula de ódio a estrangeiros no corpo, mas há coisas em que não faço compromissos. Liedson, Pepe e Deco são Brasileiros, ponto final. Como eles, há uma profusão de outros jogadores que não jogam no país de origem, tendo optado por outros onde encontraram mais oportunidades. O fenómeno generalizou-se e, em vez de selecções nacionais cada vez há mais selecções de naturalizados. Assim, não contem com o meu apoio para estas provas.
2 – Carlos Queiroz é uma vítima clara daquilo que é conhecido como o “princípio de Peter”. Segundo essa sábia fórmula, uma pessoa por vezes desempenha tão bem o seu papel que se convence que pode dar o salto em frente. Quando o faz, espalha-se porque foi incapaz de perceber que o seu nicho era no degrau inferior. Queiroz foi um excelente treinador de camadas jovens, um excelente adjunto e planificador de treinos, como treinador principal é uma daquelas nódoas que nem com benzina saem. Falhou no Sporting quando tinha o melhor plantel de Portugal, falhou no Real de Madrid com mais estrelas que o planetário de Lisboa, falhou uma vez na selecção e agora cumpriu o seu cruel destino mais uma vez. Queiroz é medroso, joga na expectativa do que faz o adversário, não arrisca e é incapaz de incentivar um leão esfomeado a atacar uma gazela com as patas partidas. Portugal nunca teve nos dois últimos anos uma consistência de jogo, nunca mostrou querer ganhar sem ser à custa da inspiração momentânea dos seus jogadores. Neste contexto alguém se surpreende de termos sido eliminados pela campeã europeia nos 1/8 de final ? Eu surpreendo-me por termos lá chegado.
3 – Que dizer do CR ? Bem, que não fiquem dúvidas que o considero um excelente jogador de futebol e um predestinado com a bola nos pés. Pronto, agora posso passar ao resto. O tipo é vaidoso e arrogante, o que pode ser à vontade, mas tem que estar preparado para lhe serem cobrados resultados. Mourinho diz o que quer quando quer e no fim quem não gosta, ouve e cala porque ele ganha, se Ronaldo quiser ter direito ao mesmo, que ganhe. Muitos podem defendê-lo dizendo que Portugal espera muito dele. É verdade que espera, e esse sentimento foi cultivado e fomentado por ele. Quando um jogador de futebol escolhe fazer do seu nome uma marca e decide que tem que aparecer sempre nas notícias seja de que forma for, tem que arcar com as consequências que essa mediatização traz. Ronaldo decidiu que a sua carreira não passava só pelos relvados, decidiu que também tinha que passear pelas revistas cor-de-rosa como uma mariposa metrossexual a arranjar namoradas novas todas as semanas, decidiu que havia de chegar ao estágio da selecção de helicóptero. Mais uma vez estava no seu direito, agora quando promete explodir no mundial, quando afirma ser o maior do mundo e arredores, que cumpra, caso contrário faz figura de urso. Ponha os olhos no Messi que dispensa toda essa publicidade e faz jogos de sonho, quer no clube, quer na selecção. Outra coisa, Ronaldo não sabe reagir a contrariedades. Basta algo correr mal para mostrar o puto azeiteiro que ainda é. Foi uma vez no estádio da Luz a ofender os adeptos, foi ontem de novo a cuspir na direcção da câmara televisiva. Não podemos ter como capitão alguém que reage como ele reagiu. É na derrota que se vê o carácter dos homens e este tipo já mostrou o carácter dele, e mais do que uma vez.
4 – O caso Nani não passou de outra palhaçada inominável. Segundo percebi, ele lesionou-se num ombro em Portugal, foi para a África do Sul, jogou 90 minutos contra Moçambique e depois descobriram que não estava apto nem era recuperável para o mundial. OK, eu também gosto muito de ficção científica mas não a vendo aos outros como verdade. Espero que tenhamos agora direito a uma explicação mais real do que aconteceu.
5 – A asneira toda começou quanto a mim na convocatória. Não percebo alguns nomes e nunca vou compreender a ausência de outros. Paulo Ferreira e Miguel estão ou em baixo de forma ou não jogaram quase nada durante o ano. Onde estava o João Pereira e o Rúben Amorim (que acabou por ir para se lesionar) ? Não faziam falta, o Ricardo Costa podia fazer a posição com a proficiência que vimos ontem. Deco quase não jogou este ano, e mesmo aceitando que é um génio que pode resolver jogos, onde estavam os substitutos para a sua forma intermitente ? João Moutinho e Carlos Martins mereciam o bilhete de ida e Nuno Assis talvez não destoasse muito. Como é que se gastou uma vaga com um Pepe que não se sabia se recuperava e tinha-se a certeza que se recuperasse não teria ritmo de jogo ? Enfim, contradições a mais para quem um dia disse que com ele jogavam sempre os melhores e na melhor forma.
6 – Para a despedida fica o balanço. 4 jogos, uma vitória a uns tristes e mortos de fome que jogaram aberto connosco, 2 empates e uma derrota. Para mim é manifestamente pouco. Elogiam a nossa defesa que só sofreu um golo, eu lamento só termos marcado à Coreia do Norte. De resto, sobram as histórias mal contadas, as bocas mandadas para serem corrigidas depois, o costume. Lá voltamos com as mãos a abanar e envoltos no nevoeiro de intrigas do costume. Deve dar para aguentar as rotativas dos jornais por uns tempos, pelo menos até começarem os jogos de pré-época do Benfica e voltarmos a ver futebol a sério.

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