Pisei-te

Foi tornado público o relatório Pisa 2009 elaborado pela agência governamental OCDE. De acordo com o relatoriado, Portugal “registou uma evolução impressionante nos resultados da avaliação de alunos” tendo sido dito que "O que é mais interessante nos resultados de Portugal é que o salto foi conseguido sem sacrificar o equilíbrio dos diferentes níveis de alunos. Não houve declínio no topo para se conseguir a melhoria na base". Como podem calcular, o delírio não fica por aqui, tendo mesmo os jograis que escreveram esta ode, dito que a melhoria de resultados "pode ser explicada em primeiro lugar pelas políticas seguidas nos últimos anos”.

Já estou a imaginar o que se seguirá. Falanges de virgens vestais à desgarrada com cardumes de Ulíssicas sereias a protestarem contra as conclusões de tão ignóbeis analfabetos. Regimentos de professores martirizados na cruz da avaliação incipiente a que foram condenados, a explicar os seus argumentos tautológicos, redundantes e repetitivos, segundo os quais estes resultados não passam de uma batota administrativa imposta por terroristas ministeriais que atacaram ao volante de aviões de papel as torres do rigor e da exigência no ensino.

Como era bom que Proust estivesse errado e que o tempo que passou não estivesse de facto passado. Como era bom o antigamente em que se podia defender a universalização da entrada no sistema de ensino mas o elitismo na saída do mesmo. Como era bom que a escola se abrisse à sociedade mas barrasse a entrada da sociedade nela própria como um falo violador da sua pureza original.

Há, quanto a mim, duas formas de encarar o ensino, o ensino democrático e o ensino elitista. Podemos organizar o sistema de ensino para formar os melhores dos melhores perdendo muitos pelo caminho como se fossem “baixas de guerra” ou “danos colaterais”. É uma opção que considero tão errada como a rigidez do losango de meio campo do Paulo Bento. A aposta nesta estratégia de elite, defendida por muita gente de esquerda ideologicamente asséptica, recusa-se a compreender que é impossível exigir o mesmo a todos os alunos, recusa-se a aceitar que é errado formatar todas as crianças pela mesma bitola e, se ainda aplicada, faria das escolas tubos de ensaio cheios de caos colocados num vórtex. Há outra forma de olhar para as coisas, há uma forma de tentar levar o sistema de ensino às reais necessidades dos alunos. É uma maneira muito mais difícil de agir, é uma estratégia tão directa como o traçado do IP5 mas certamente mais justa para as crianças, sim porque por escandalosamente real que seja, é para elas que tem que estar vocacionado qualquer sistema de ensino. Nesta forma democrática de ver a escola tem que ser assumido que nem todos os alunos querem ser médicos ou engenheiros, nesta forma de ver as coisas tem que ser aceite que muitas das crianças nem sequer na escola querem estar, mas, a escola tem que dar resposta ao maior número possível delas. Esta forma de ver o ensino obriga-nos a apostar no ensino profissional para tentar recuperar de um crime com mais de 30 anos que foi o encerramento das antigas escolas comerciais e industriais.
Diversificando o leque de ofertas aos nossos alunos, aumentando o número de cursos profissionais, destruindo o mito igualitário que imperou demasiado tempo, poderemos ter uma escola realmente universal, inclusiva e democrática, isto é, na minha opinião, tão certo como o quadrado da hipertenusa ser igual à soma dos quadrados dos badamecos.

Devêmo-lo a todos. Aos pais que se interessam e participam, aos professores que dão o litro, a tonelada e o quilómetro, aos alunos que se esforçam. Devêmo-lo ainda a todos os Portugueses, já que foi o dinheiro dos seus impostos que em 15 anos pagou a explosão que houve no número de bibliotecas escolares, que apetrechou laboratórios, construiu pavilhões desportivos e que foi investido na maior revolução tecnológica vista em qualquer sistema de ensino europeu.

2 comentários:

Está fantástico... Não conseguia expressar melhor a minha opinião. Admiro a capacidade de colocar em palavras, o que tantas vezes partilho e raras vezes consigo escrever e transmitir objectivamente.

7/12/10 16:08  

Muito bem, Nicolae.

8/12/10 05:36  

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