Para o Humberto, depois deste tempo todo ainda não consegui quantificar a falta que me fazes.
Para o meu Pai e as minhas queridas amigas Gabriela Koch e Cândida Lucas, os três maiores mestres que tive na vida.
Para a Célia, a minha Professora de Português, de sempre e para sempre.
Para os meus alunos, o que tenho de melhor é a vós que o dedico, é a vós que o entrego.
Se vos perguntar o que sabem da minha vida, é provável que consiga algumas respostas certas. Sabem que sou de Olhão, que tenho 32 anos e que sou solteiro. Sabem ainda que, além da escola, divido o meu tempo com a Junta de Freguesia, que tirei o curso em Braga e vivi no norte alguns anos. Sabem que sou benfiquista, que tenho um opel corsa cinzento velhinho e, consoante as opiniões, tenho um bom sentido de humor, ou mando piadas muito secas. Estas são as respostas que qualquer um de vocês daria. Agora o que não vos passa pela cabeça é a vida que tenho para trás de mim, e não estou a falar só da vivida. Há ainda a outra, a que vivi através dos livros que estudei e li desde os meus 14 anos. Nessa outra vida “escondida” são tantas as experiências e recordações que tenho para vos contar.
Já fui pescador e contrabandista, salteador e pirata. Naveguei com Colombo, Drake e Vasco da Gama, escrevi a crónica do achamento do Brasil, senti o cheiro da pimenta da Índia e da noz-moscada das Molucas. Conheci todos os ventos e correntes, assisti a inúmeras marés, tratei por tu tempestades e banhei-me nos sete mares. Vi o nascer do Sol nas praias do Levante, relâmpagos assustadores nos trópicos, tornados, tufões e até a sismos e erupções vulcânicas eu sobrevivi.
Construí cidades e arrasei civilizações. Seduzi e conquistei rainhas e fui abandonado e desprezado por plebeias. Fui soldado e general, rei e escravo. Lutei pela Liberdade e oprimi revoltas contra a minha tirania.
Lutei com os elfos na Terra Média, vi o nascer das primeiras estrelas nas praias de Beleriand, visitei Valinor, estive na destruição de Numenor e festejei com o rei Aragorn a queda de Sauron.
Lamentei a queda do império romano, assisti à cavalgada imponente dos Mongóis e participei no banho de sangue das cruzadas. Estive presente na defenestração de Praga e não consegui evitar a destruição de Heidelberg durante a guerra dos 30 anos.
Fui pagão e cristão, judeu e gentio, muçulmano, budista e hindu. Louvei deus de todas as formas até ter desacreditado da sua existência.
Defendi a escravatura no Brasil e fui abolicionista nos Estados Unidos. Assaltei a Bastilha, liderei a carga de cavalaria em Austerlitz e morri em Waterloo. Fui preso em Alcatraz e fugi do castelo d´If.
Fui um dos primeiros pedreiros livres a fundar uma loja maçónica e um dos últimos templários a arder nas fogueiras de Filipe, o Belo, rei de França.
Fui mosqueteiro e ginete, legionário e hoplita, janisário e granadeiro. Derramei sangue, suor e lágrimas em todos os campos de batalha da história, mas isso não chegou, eu precisei de mais.
Pintei as minhas lágrimas, esculpi a minha própria dor, escrevi, recitei e cantei em línguas há muito desaparecidas. Fui epopeia de Homero, estrofe de Shakespeare, verso de Beaudelaire e soneto de Camões.
Amei até ao expoente do desespero, odiei até me odiar por sentir tanto ódio e sonhei, e sonhei e sonhei até detestar a luz do dia por me manter acordado.
Vi de perto o melhor da humanidade e assisti às suas páginas mais negras. Escrevi uma parte da declaração universal dos direitos do Homem, segurei um dos andaimes durante a pintura do tecto da capela Sistina, guardei pergaminhos da biblioteca de Alexandria e vi o horizonte do topo de uma pirâmide, mas nada disso me fez esquecer do cheiro a carne queimada das fogueiras da inquisição nem do gás de Auchwitz.
Dei as primeiras pancadas de Moliére, dancei na Broadway e representei com Eurípedes nos anfiteatros atenienses. Venci campeonatos inteiros com jogadas e golos geniais, quebrei recordes olímpicos e corri mais rápido que a minha própria sombra.
Fui corrente do golfo e vento alísio, cheia do rio Nilo e monção asiática. Plantei ervilheiras de cheiro para Mendel, ajudei Darwin na viagem do Beagle, fui uma das primeiras cobaias de Fleming, e, confesso, fui eu que esborrachei a maçã no focinho de Newton antes de ele escrever a teoria da gravidade.
Fui electrão e átomo, molécula e colóide, mas o que gostei mais foi de, como enzima, ter digerido açúcares, construído proteínas e, até, de ter separado as duas cadeias do DNA. Fui vibrião, vírus e bacilo. Apaixonei-me por uma levedura e acabei completamente bêbado dentro de uma garrafa de vinho tinto.
Assisti à separação da Pangea, vi a morte em agonia dos últimos dinossauros e observei como um pequeno grupo de roedores evoluiu até aos primatas e como um grupo desses primatas deu origem a uma espécie que, apesar de chamada Homo Sapiens, não revela inteligência nenhuma na forma como assassina o meio ambiente de que necessita para sobreviver.
Em tudo isto estive presente, apesar de indirectamente, mas não me chega. Quero e preciso de ver mais, conhecer mais, viver mais e sentir mais. Muitas outras viagens e descobertas farei e, meus queridos alunos, partilhá-las-ei convosco, sempre que a isso se disponham.
Para tal, só preciso de um tempinho livre, e … de um livro nas mãos.
Sérgio Nicolae Santos
Aljezur, 12 de Fevereiro de 2007
Para o meu Pai e as minhas queridas amigas Gabriela Koch e Cândida Lucas, os três maiores mestres que tive na vida.
Para a Célia, a minha Professora de Português, de sempre e para sempre.
Para os meus alunos, o que tenho de melhor é a vós que o dedico, é a vós que o entrego.
Se vos perguntar o que sabem da minha vida, é provável que consiga algumas respostas certas. Sabem que sou de Olhão, que tenho 32 anos e que sou solteiro. Sabem ainda que, além da escola, divido o meu tempo com a Junta de Freguesia, que tirei o curso em Braga e vivi no norte alguns anos. Sabem que sou benfiquista, que tenho um opel corsa cinzento velhinho e, consoante as opiniões, tenho um bom sentido de humor, ou mando piadas muito secas. Estas são as respostas que qualquer um de vocês daria. Agora o que não vos passa pela cabeça é a vida que tenho para trás de mim, e não estou a falar só da vivida. Há ainda a outra, a que vivi através dos livros que estudei e li desde os meus 14 anos. Nessa outra vida “escondida” são tantas as experiências e recordações que tenho para vos contar.
Já fui pescador e contrabandista, salteador e pirata. Naveguei com Colombo, Drake e Vasco da Gama, escrevi a crónica do achamento do Brasil, senti o cheiro da pimenta da Índia e da noz-moscada das Molucas. Conheci todos os ventos e correntes, assisti a inúmeras marés, tratei por tu tempestades e banhei-me nos sete mares. Vi o nascer do Sol nas praias do Levante, relâmpagos assustadores nos trópicos, tornados, tufões e até a sismos e erupções vulcânicas eu sobrevivi.
Construí cidades e arrasei civilizações. Seduzi e conquistei rainhas e fui abandonado e desprezado por plebeias. Fui soldado e general, rei e escravo. Lutei pela Liberdade e oprimi revoltas contra a minha tirania.
Lutei com os elfos na Terra Média, vi o nascer das primeiras estrelas nas praias de Beleriand, visitei Valinor, estive na destruição de Numenor e festejei com o rei Aragorn a queda de Sauron.
Lamentei a queda do império romano, assisti à cavalgada imponente dos Mongóis e participei no banho de sangue das cruzadas. Estive presente na defenestração de Praga e não consegui evitar a destruição de Heidelberg durante a guerra dos 30 anos.
Fui pagão e cristão, judeu e gentio, muçulmano, budista e hindu. Louvei deus de todas as formas até ter desacreditado da sua existência.
Defendi a escravatura no Brasil e fui abolicionista nos Estados Unidos. Assaltei a Bastilha, liderei a carga de cavalaria em Austerlitz e morri em Waterloo. Fui preso em Alcatraz e fugi do castelo d´If.
Fui um dos primeiros pedreiros livres a fundar uma loja maçónica e um dos últimos templários a arder nas fogueiras de Filipe, o Belo, rei de França.
Fui mosqueteiro e ginete, legionário e hoplita, janisário e granadeiro. Derramei sangue, suor e lágrimas em todos os campos de batalha da história, mas isso não chegou, eu precisei de mais.
Pintei as minhas lágrimas, esculpi a minha própria dor, escrevi, recitei e cantei em línguas há muito desaparecidas. Fui epopeia de Homero, estrofe de Shakespeare, verso de Beaudelaire e soneto de Camões.
Amei até ao expoente do desespero, odiei até me odiar por sentir tanto ódio e sonhei, e sonhei e sonhei até detestar a luz do dia por me manter acordado.
Vi de perto o melhor da humanidade e assisti às suas páginas mais negras. Escrevi uma parte da declaração universal dos direitos do Homem, segurei um dos andaimes durante a pintura do tecto da capela Sistina, guardei pergaminhos da biblioteca de Alexandria e vi o horizonte do topo de uma pirâmide, mas nada disso me fez esquecer do cheiro a carne queimada das fogueiras da inquisição nem do gás de Auchwitz.
Dei as primeiras pancadas de Moliére, dancei na Broadway e representei com Eurípedes nos anfiteatros atenienses. Venci campeonatos inteiros com jogadas e golos geniais, quebrei recordes olímpicos e corri mais rápido que a minha própria sombra.
Fui corrente do golfo e vento alísio, cheia do rio Nilo e monção asiática. Plantei ervilheiras de cheiro para Mendel, ajudei Darwin na viagem do Beagle, fui uma das primeiras cobaias de Fleming, e, confesso, fui eu que esborrachei a maçã no focinho de Newton antes de ele escrever a teoria da gravidade.
Fui electrão e átomo, molécula e colóide, mas o que gostei mais foi de, como enzima, ter digerido açúcares, construído proteínas e, até, de ter separado as duas cadeias do DNA. Fui vibrião, vírus e bacilo. Apaixonei-me por uma levedura e acabei completamente bêbado dentro de uma garrafa de vinho tinto.
Assisti à separação da Pangea, vi a morte em agonia dos últimos dinossauros e observei como um pequeno grupo de roedores evoluiu até aos primatas e como um grupo desses primatas deu origem a uma espécie que, apesar de chamada Homo Sapiens, não revela inteligência nenhuma na forma como assassina o meio ambiente de que necessita para sobreviver.
Em tudo isto estive presente, apesar de indirectamente, mas não me chega. Quero e preciso de ver mais, conhecer mais, viver mais e sentir mais. Muitas outras viagens e descobertas farei e, meus queridos alunos, partilhá-las-ei convosco, sempre que a isso se disponham.
Para tal, só preciso de um tempinho livre, e … de um livro nas mãos.
Sérgio Nicolae Santos
Aljezur, 12 de Fevereiro de 2007
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ih, tanta coisa k tu já foste... e só tens 32 anos... c tanta vida pela frente, mt mais coisas serás... :)
um beijinho especial desta amiga alentejana...
karla disse...
15/2/07 12:46
Descobri este teu cantinho por sugestão de um amigo comum... não te deve ser dificil visualizar de quem se trata. Achei particularmente lindo este post... não quiz passar sem deixar um comentário... afinal de contas cada um não é um... somos muitos dentro de um só e felizmente ainda existem pessoas com a sensibilidade para se reinventar e redescobrir dentro delas mesmas. Parabens, gostei muito!
_*Marta
pan-kekas disse...
19/10/08 16:27