Se quem estiver a ler isto me conhecer de algum lado, o que é bastante provável, sabe muito bem a razão do título deste texto. Aliás, se fizesse uma sondagem a todas as pessoas que passaram pela minha vida nos últimos 15 anos e lhes pedisse que nomeassem uma característica que me identifique, tenho a certeza que “Distraído” seria a resposta natural (não tenho assim tanta certeza mas como as outras hipóteses são bem piores agarrei-me a esta).
Todas as pessoas têm momentos de distracção, é a coisa mais natural do mundo, agora quando digo que sou mesmo distraído é porque em mim esse é um comportamento que assume particular gravidade. Eu esqueço-me de quase tudo e, de acordo com as leis de Murphy, sempre nos piores momentos possíveis. Já me esqueci de códigos e passwords, desde o do multibanco ao do telemóvel passando pelo do email. Já inventei menemónicas para me recordar desses códigos, menemónicas essas que foram esquecidas tão ou mais depressa do que os códigos originais. Andei 6 meses inteiros com o BI fora de prazo e, apesar de já ter tratado da renovação, não faço a mínima ideia de onde pus o comprovativo de que estou a regularizar a situação e duvido que venha algum dia a lembrar-me do prazo para levantar o cartão novo. Já fui multado por me ter esquecido da inspecção do carro, o que visto à distância nem parece muito grave, principalmente tendo em conta que já fui chamado a tribunal por me ter esquecido de pagar a multa e até já fiquei empenado na estrada umas quantas horas por não saber onde tinha o adaptador que me permitiria desapertar as rodas para trocar o pneu.
Como professor que sou, tenho inerente à minha licenciatura um mestrado em burocracia aplicada e um doutoramento em preenchimento de papeis inuteis. Obviamente que chumbei nos dois com olímpica mediocridade visto que tenho uma tendência natural para perder papeis, ou, no mínimo, esquecer-me de os preencher ou até mesmo não saber onde os pus depois de os ter preenchido correctamente. O facto de ter conseguido dar umas aulinhas no intervalo da burocracia durante onze anos e não ter sido preso só se justifica partindo do princípio que alguém andou mais distraído do que eu. Não tenho o sentido de perspectiva que permite à maioria das pessoas no domingo à tarde saberem exactamente o que vão fazer quinta-feira às 17h43m. Eu não tenho essa capacidade de organização, facto que já me levou a comprar uma agenda para me ajudar há uns anos atrás e, em minha defesa, tenho a dizer que precisei de três semanas inteiras para a perder.
Já preparei surpresas que me esqueci de fazer e também já comprei prendas que não me lembrei de oferecer. Se algo ou alguém me aborda ou interrompe à porta de uma cantina ou restaurante dou comigo por vezes a pensar se estaria a entrar ou a sair sem ter a certeza de já ter comido. Quando interrompo a leitura de um livro é frequente não saber bem onde ia e, apesar de mais raro, também já aconteceu não me lembrar do livro que estava a ler.
Tenho funções novas este ano, estando destacado na Direcção Regional de Educação. O edifício da DREALG é das construções mais simples que alguém possa imaginar. É um quadrado com todos os seus 4 lados e com 4 ângulos rectos inteirinhos. É daquelas construções onde é impossível uma pessoa perder-se porque, mesmo que se perca, caminhando na mesma direcção encontra sempre a saída. A primeira vez que vim cá apresentar-me, ao dirigir-me para a rua, obviamente perdi-me e só fui encontrado na segunda feira seguinte de manhã por uma equipa do CSI Miami escondido atrás de uma porta a comer a terra dos vasos. Não pensem que esta é a única história que tenho no emprego novo. Na semana seguinte a picar o ponto (basicamente corresponde a passar um dos dedos previamente definidos numa maquineta, o que é óptimo porque me obriga a ter as mãos lavadas pelo menos duas vezes por dia) as coisas não estavam a funcionar bem. Passei vezes sem conta o dedo pré-definido e nada, parti logo do princípio que me tinha esquecido do dedo certo e como tal, passei os outros nove, a ponta do nariz e quando me começava a descalçar para passar os dedos dos pés alguém me disse que tinha que carregar na tecla #, facto que obviamente já tinha olvidado. No meio de todos estes desastres de planificação de gestão diária, devo referir que não costumo esquecer-me de comparecer a encontros e que nesse aspecto sou religiosamente pontual, mas, conhecendo-me como me conheço, isso não é uma virtude e aposto que é apenas porque me esqueço de chegar atrasado.
Nunca compreendi muito bem o quê é que as pessoas têm contra os distraídos. Aliás, considero que chamar a alguém de distraído é uma atitude um pouco arrogante porque o que estamos a afirmar é que nos sentimos incomodados pelo facto de a outra pessoa ter a lata de estar concentrada em algo diferente do que nós queriamos. No entanto, o que me leva mesmo à loucura são as pessoas que atribuem este tipo de situações à falta de responsabilidade ou imaturidade. Quem raio são vocês que não se apercebem de um pôr do sol se não o marcarem na agenda para me acusar do que quer que seja ? Irresponsável ? Eu ??? Não me lixem pah !
Como escreveu uma amiga de um amigo comum num comentário no meu blog : “ … afinal de contas cada um não é um … somos muitos dentro de um só…”. É exactamente o que ando a querer explicar há anos. Carrego em mim muitas vertentes e muitas facetas e, confesso, tenho alguma dificuldade em pôr em prática a correcta no contexto certo. Sou o professor e o político, o amigo das galhofas e o tipo das conversas sérias. Sou o desprendido e o apaixonado, o bonacheirão, o colérico e, segundo alguns, até mesmo o poeta, o romancista e o guru. Sou-o todos os dias apesar de vós normalmente apenas repararem no que mais vos agrada ou no que mais detestam. Como escreveu José Gomes Ferreira, sou como uma nuvem que a todos parece uma coisa diferente, sendo que muito dificilmente algum de vocês consegue ver a panorâmica completa.
Se me acham distraído é porque não tenho medo nem receio de ceder à minha complexidade. Se acham as minhas atitudes irresponsáveis, experimentem pensar que quando devia estar a preencher um papel estou a pensar num problema da minha Junta de Freguesia, quando devia estar a comer estou a sonhar, quando devia estar concentrado a olhar-vos olhos nos olhos durante uma conversa estou apenas a tentar resolver um problema que apareceu no trabalho e ao qual não liguei nenhuma porque estava a apaixonar-me por alguém que ainda não descobri se existe.
Chamem-me distraído, infantil, imaturo e irresponsável, estejam à vontade, já nem sequer quero saber. Posso até levar a mal num primeiro momento mas mais cedo ou mais tarde vou-me esquecer, a vida é bela demais para guardar lastro em cima dos ombros e eu, o que quero verdadeiramente é ser feliz. Para quê que me vou chatear por não ver o sol brilhar até ao último dos seus dias tendo a certeza que ele brilhará até ao último dos meus ?
A crise do grande capital financeiro como foi prevista por Chico Buarque
0 comentários Colocado por Nicolae Santos às 14:59O Malandro
Chico Buarque
O malandro/Na dureza
Senta à mesa/Do café
Bebe um gole/De cachaça
Acha graça/E dá no pé
O garçom/No prejuízo
Sem sorriso/Sem freguês
De passagem/Pela caixa
Dá uma baixa/No português
O galego/Acha estranho
Que o seu ganho/Tá um horror
Pega o lápis/Soma os canos
Passa os danos/Pro distribuidor
Mas o frete/Vê que ao todo
Há engodo/Nos papéis
E pra cima/Do alambique
Dá um trambique/De cem mil réis
O usineiro/Nessa luta
Grita(ponte que partiu)
Não é idiota/Trunca a nota
Lesa o Banco/Do Brasil
Nosso banco/Tá cotado
No mercado/Exterior
Então taxa/A cachaça
A um preço/Assutador
Mas os ianques/Com seus tanques
Têm bem mais o/Que fazer
E proíbem/Os soldados
Aliados/De beber
A cachaça/Tá parada
Rejeitada/No barril
O alambique/Tem chilique
Contra o Banco/Do Brasil
O usineiro/Faz barulho
Com orgulho/De produtor
Mas a sua/Raiva cega
Descarrega/No carregador
Este chega/Pro galego
Nega arrego/Cobra mais
A cachaça/Tá de graça
Mas o frete/Como é que faz?
O galego/Tá apertado
Pro seu lado/Não tá bom
Então deixa/Congelada
A mesada/Do garçom
O garçom vê/Um malandro
Sai gritando/Pega ladrão
E o malandro/Autuado
É julgado e condenado culpado
Pela situação
Passei lá muitos fins de tarde e algumas noites mas nunca me tinha apercebido com tanta clareza que aquela aldeia foi construída sob alicerces de ternura e de carinho.
Foi uma tarde muito agradável.
Debate entre candidatos à Vice-Presidência Americana
0 comentários Colocado por Nicolae Santos às 15:16Love is noise
Will those feet in modern times
Walk on soles that are made in China?
Feel the bright prosaic malls
And the corridors that go on and on and on
I was blind - couldn't see
We are one incomplete
I was blind - in the city
Waiting for light wind to be saved
Cause love is noise and love is pain
Love is these blues that I'm singing again
Love is noise and love is pain
Love is these blues that I'm singing again, again
Will those feet in modern times
Understand this world's affliction
Recognise the righteous anger
Understand this world's addiction?
I was blind - couldn't see
What was here in me
I was blind - insecure
I felt like the road was way too long, yeah
Cause love is noise and love is pain
Love is these blues that I'm singing again
Love is noise and love is pain
Love is these blues that I'm singing again
Love is noise, love is pain
Love is these blues that I'm feeling again
Love is noise, love is pain
Love is these blues that I'm singing again, again, again, again, again, again
Cause love is noise, love is pain
Love is these blues that you're feeling again
Love is noise, love is pain
Love is these blues that I'm singing again, again, again
Will those feet in modern times
Walk on soles made in China?
Will those feet in modern times
See the bright prosaic malls?
Will those feet in modern times
Recognise the heavy burden
Will those feet in modern times
Pardon me for my sins
Love is noise
Come on
The Verve
Hoje sinto-me assim. Travem-me se puderem !
Fala do Homem nascido
Venho da terra assombrada
do ventre de minha mãe
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci
Trago boca pra comer
e olhos pra desejar
tenho pressa de viver
que a vida é água a correr
Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder
minha barca aparelhada
solta rumo ao norte
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham
nem forças que me molestem
correntes que me detenham
Quero eu e a natureza
que a natureza sou eu
e as forças da natureza
nunca ninguém as venceu
Com licença com licença
que a barca se fez ao mar
não há poder que me vença
mesmo morto hei-de passar
com licença com licença
com rumo à estrela polar
In Teatro do Mundo, 1958
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