Carvalho de Natal

É natal. Independentemente da simbologia religiosa que nada me diz, estamos numa época do ano muito especial. O natal deixou de ter piada há já alguns anos, pelo menos para mim. O tempo foi passando, eu fui envelhecendo, a minha família foi-se desarticulando e dois dos meus avós já por cá não andam.
À medida que a cronologia prosseguiu a sua cavalgada imparável, nem eu nem a minha irmã abastecemos a família de novos rebentos. O natal tornou-se numa espécie de anacronismo alimentado pela ditadura do calendário, mais do que por um verdadeiro espírito de união familiar.
Há quatro anos atrás, tudo mudou um pouco. Um casal de amigos, de grandes amigos, resolveu que a minha presença era importante, necessária, essencial, para que a noite de 24 para 25 de Dezembro deles fosse completa. Assim foi e este ano, pela quarta vez consecutiva, os últimos momentos do dia 24 de Dezembro foram passados com a família Carvalho.
Depois de passar a noite com parte da minha família, fugi para uma casa modesta e imponente que fica na zona histórica de Olhão. À entrada lá estava o "camarada Carvalho", como o trato há já muitos anos, e a Sidóninha. São os patriarcas, os faróis e os alicerces de um clã que ultrapassa todos os limites do compreensível no que diz respeito a amizade. Todos os anos juntam filhos e filhas, noras e genros, netos, bisnetos e até alguns amigos párias, entre os quais me incluo.
Aquela casa é uma orgia de alegria, um vendaval de amizade, um reino de amor e um império de carinho e de ternura. Na casa dos Carvalhos redescobri que uma simples noite pode justificar a existência de todo um ano. Todos cabem numa mesa, que mesmo limitada pelas leis da Física, é infindável pelas regras dos sentimentos.
Todos os anos há algo de novo para chorar. Uma doença de uma criança, Uma ameaça de perdição que paira sobre a cabeça de um adulto, um divórcio traumático ou um qualquer erro de percurso ou falta de rumo. Todos os anos há uma fraqueza inerente a estes seres, que por serem humanos, insistem em não acertar à primeira tentativa. Mas, todos os anos, os Carvalhos fazem uma festa. Fazem questão de desafiar este cruel destino comum aos mortais, que é a imperfeição. Teimam em olhar a vida nos olhos e dizer-lhe que não há nada que ela lhes jogue à cara que fique sem resposta.
Na casa dos Carvalhos existe mesmo Natal. É um exército de crianças que se alimenta da expectativa da chegada do pai natal, é o companheirismo que têm tatuado na pele, a amizade que lhes brota dos poros.
Lembro-me claramente de duas árvores de natal na minha vida. Uma verde e velhinha que alimentou o imaginário da minha infância em Oeiras. Outra branca que a minha mãe enfeitava com bolas vermelhas e enfeites dourados, já em Olhão. Ambas eram coroadas por uma estrela.
Precisei de viver 30 anos para descobrir uma árvore de natal com muitas, muitas estrelas. Todos eles, todos os Carvalhos são uma estrela.
Muitos há que têm um pinheiro de natal. Eu tenho um Carvalho de natal.
E é tão lindo !!!

Despiste

Se as contas do blogger não estão mal feitas, esta é a minha 100ª postagem desde que o "despistagens" nasceu. Como é óbvio ia aproveitar a ocasião para escrever qualquer coisa perfeitamente desinteressante para festejar o evento. No entanto, ontem despistei-me, e desta vez foi uma despistagem literal e não apenas no sentido figurado.
A famosa estrada nacional 125 estava encharcada, o que nem é difícil de acreditar visto que estava a chover há algumas horas. Estava a regressar de Faro para Olhão e uns 100 metros antes da rotunda dos salgados o tipo que vai à minha frente a ultrapassar outro que ia ao lado dele resolve travar a fundo. Eu nem ia muito depressa ( algures entre os 80 km/h e os 90 km/h ) mas confesso que devia ter estado mais afastado dele do que realmente estava. À travagem brusca dele, respondo eu com a minha porque sempre me ensinaram que fica bem fazermos aos outros o que eles nos fazem, o problema é que os travões dele eram melhores e a minha travagem o único efeito que produziu foi deixar-me a ver o carro dele cada vez mais próximo enquanto o meu derrapava. Como o resultado estava de ser ver que ia ser mau, lembrei-me de mudar de faixa para não lhe estragar a traseira do carro. Até aqui tudo bem, o brilhantismo do meu raciocínio sob pressão deve estar a a deixar-vos estupefactos, no entanto, não se esqueçam que ele estava a ultrapassar um carro, ou seja, a outra faixa também estava ocupada. Feita uma tangente ao carro da faixa da esquerda, e uma cosecante ao carro da faixa da direita, a guinada brusca que dei para evitar o segundo, depois de já ter evitado o primeiro graças a leis da física de que nunca ouvi falar, saí pela berma, voei por cima de uma valeta e o carro estancou-se furioso comigo a menos de 1 metro de uma cancela com aspecto de ter entrado na reforma há uma geração.
Depois de algumas pragas e muitas palavras que me excuso a repetir neste espaço, consegui tirar o carro de onde estava e colocá-lo de novo no sítio de onde nunca devia ter saído, na estrada por onde ia de regresso a casa.
Estou bem, tanto eu como o carro. Os condutores dos carros da frente foram nomeados para o óscar e para o prémio nobel da simpatia por terem assistido a tudo sem que isso fosse motivo para pararem e verem em que estado eu estava.
Como podem ver, é possível comemorar o 100º post de um blog chamado "despistagens", escrevendo sobre um despiste. Definitivamente estou a ficar previsível e desinteressante. Isto sim, preocupa-me !

Os sonhos de Paulo Coelho

Esta manhã estive em arrumações. Lá me decidi a levantar do sofá e como as dores de cabeça estavam mais fracas, achei que era boa ideia aproveitar a minha quarentena para fazer algo de útil. Vazei mais dois caixotes de livros que fui arrumando no espaço ainda vazio da minha estante. Com a primeira correu tudo bem. Ao iniciar a segunda a dor de cabeça e as dores musculares resolveram avisar que estava a passar das marcas. Mesmo assim ignorei-as. Quero lá saber que o corpo doa, a vontade é quem manda neste reino que se convencionou chamar de Sérgio Nicolae. Eis então que a minha fisiologia resolve lançar no campo de batalha um aliado fortíssimo. Foi "O diário de um mago" de Paulo Coelho. Esse livro foi talvez a única coisa que gostei de ler dele e, ainda por cima foi-me oferecido pela minha querida madrinha Cândida Lucas há muitos anos atrás, numa fase em que cedi ao meu "lado negro".
Com o livro, gasto pelo tempo e sujo pelo uso, nas mãos não tive outra alternativa. Sentei-me no sofá a recordar a primeira vez que o li. Foi instantâneo. As recordações voltaram, primeiro ao leve, quase como se me tivessem a acarinhar. Depois com um crescendo de intensidade e por fim avassaladoras a espancarem-me os sentidos e a invadir todos os poros da memória. Quando dei por ela, duas lágrimas escorriam à procura uma da outra, sabendo no entanto que nunca se encontrariam.
Foram quase dois anos muito duros, os mais duros da minha vida. Nunca estive tão perto de me perder nem nunca tive tantos que me quiseram segurar. Hoje recordo tudo isso com carinho, ternura e com um incomensurável agradecimento. Aprendi a lição e, mais importante do que qualquer outra experiência, esta ensinou-me que quando tudo está a correr mal, os amigos são a última fortaleza, o último castelo, o único recurso. Sim, fui salvo de males maiores única e exclusivamente porque houve pessoas que, mesmo contra a minha vontade, não me deixaram cair. É desse tempo que vem a minha humildade. Vem daí esta minha consciência que a vida nos eleva e nos faz cair com a mesma facilidade, que nunca podemos estar certos do que temos, que quando deixamos de lutar mais cedo ou mais tarde caímos. E quando caímos é bom que tenhamos à nossa volta pessoas que nos amparem, é bom que reconheçamos que há mais vergonha no silêncio do que no pedido de ajuda, é fundamental que compreendamos que há pessoas que estendem a mão apenas porque gostam de nós e não por estarem à espera de uma gorjeta ou de uma medalha. É desse tempo que vem o meu orgulho. Um orgulho maior do que o que estão habituados. Um orgulho que não é daqueles mesquinhos e infantis que levam as pessoas a não ser capazes de assumir erros ou pedir desculpas, mas um orgulho alicerçado na crença de que quando reparamos males que fazemos, quando reconhecemos erros e permitimo-nos a oportunidade de os corrigir, avançamos em direcção aos outros. E os outros são em regra muito mais tolerantes connosco do que nós próprios, os outros, em regra, apenas precisam de um pequeno sinal para continuarem a acompanhar-nos.
Enfim, dito tudo isto, vamos ao que verdadeiramente interessa. Deixo-vos uma passagem d'"O diário de um mago". Uma passagem que a mim fez muita diferença numa altura em que perguntava a mim próprio "qual o propósito de sobreviver à morte dos meus sonhos ?" Há sempre um propósito. Eu descobri-o. Boa sorte para vocês.

"O homem nunca pode parar de sonhar. O sonho é o alimento da alma, como a comida é o alimento do corpo. Muitas vezes, na nossa existência, vemos os nossos sonhos desfeitos e os nossos desejos frustrados, mas é preciso continuar a sonhar, senão a nossa alma morre e Ágape não penetra nela. Muito sangue já correu no campo diante dos teus olhos, e aí foram travadas algumas das batalhas mais cruéis da reconquista. Quem estava com a razão, ou com a verdade, não tem importância: o importante é saber que ambos os lados estavam a travar o Bom Combate.
O Bom Combate é aquele que é travado porque o nosso coração pede. Nas épocas heróicas, no tempo dos cavaleiros andantes, isso era fácil. Havia muita terra para conquistar e muita coisa para fazer. Hoje em dia, porém, o mundo mudou muito, e o Bom Combate foi transferido dos campos de batalha para dentro de nós mesmos.
O Bom Combate é aquele que é travado em nome dos nossos sonhos. Quando eles explodem dentro de nós com todo o seu vigor - na juventude - nós temos muita coragem, mas ainda não aprendemos a lutar. Depois de muito esforço, acabamos por aprender a lutar, e então já não temos a mesma coragem para combater. Por causa disso, voltamo-nos contra nós mesmos, e passamos a ser o nosso pior inimigo. Dizemos que os nossos sonhos eram infantis, difíceis de realizar, ou fruto do nossos desconhecimento das realidades da vida. Matamos os nossos sonhos porque temos medo de travar o Bom Combate.
- O primeiro sintoma de que estamos a matar os nossos sonhos é a falta de tempo - As pessoas mais ocupadas que conheci na minha vida tinham sempre tempo para tudo. As que nada faziam estavam sempre cansadas, não davam conta do pouco trabalho que precisavam realizar, e queixavam-se constantemente que o dia era curto demais. Na verdade elas tinham era medo de travar o Bom Combate.
O segundo sintoma da morte dos nossos sonhos são as nossas certezas. Porque não queremos olhar a vida como uma grande aventura a ser vivida, passamos a julgar-nos sábios, justos e correctos no pouco que pedimos da existência. Olhamos para além das muralhas do nosso dia-a-dia e ouvimos o ruído de lanças que se quebram, o cheiro de suor e de pólvora, as grandes quedas e os olhares sedentos de conquista dos guerreiros. Mas nunca percebemos a alegria, a imensa Alegria que está no coração de quem luta, porque para estes, não importa nem a vitória nem a derrota, importa apenas travar o Bom Combate.
Finalmente, o terceiro sintoma da morte dos nossos sonhos é a Paz. A vida passa a ser uma tarde de Domingo, sem nos pedir grandes coisas, e sem exigir mais do que queremos dar. Achamos que estamos maduros, deixamos de lado as fantasias da infância, e conseguimos a nossa realização pessoal e profissional. Ficamos surpreendidos quando alguém da nossa idade diz que quer ainda isto ou aquilo da vida. Mas na verdade, no íntimo do nosso coração, sabemos que o que aconteceu foi que renunciámos à luta pelos nossos sonhos, a travar o Bom Combate.
Quando renunciamos aos nossos sonhos e encontramos a paz temos um pequeno período de tranquilidade. Mas os sonhos mortos começam a apodrecer dentro de nós, e a infestar todo o ambiente em que vivemos. Começamos a tornar-nos cruéis com aqueles que nos cercam, e finalmente passamos a dirigir essa crueldade contra nós mesmos. Surgem as doenças e as psicoses. O que queríamos evitar no combate - a decepção e a derrota - passa a ser o único legado da nossa cobardia. E um belo dia, os sonhos mortos e apodrecidos tornam o ar difícil de respirar e passamos a desejar a morte, a morte que nos livre das nossas certezas, das nossas ocupações, e daquela terrível paz das tardes de Domingo"

Paulo Coelho

Ontem revi um filme do qual gosto bastante. Chama-se "Any given sunday" e reflecte a realidade, ou pelo menos uma parte dela, do mundo do futebol americano. Al Pacino tem nesse filme a interpretação genial a que já nos acostumou, no entanto, há um discurso dele que merece entrar em qualquer antologia que um dia façam da sua carreira. Cá vai, o link do filme e o discurso integral. Espero que gostem.

http://www.youtube.com/watch?v=WO4tIrjBDkk

I don't know what to say really.
Three minutes
to the biggest battle of our professional lives
all comes down to today.
Either
we heal
as a team
or we are going to crumble.
Inch by inch
play by play
till we're finished.
We are in hell right now, gentlemen
believe me
and
we can stay here
and get the shit kicked out of us
or
we can fight our way
back into the light.
We can climb out of hell.
One inch, at a time.

Now I can't do it for you.
I'm too old.
I look around and I see these young faces
and I think
I mean
I made every wrong choice a middle age man could make.
I uh....
I pissed away all my money
believe it or not.
I chased off
anyone who has ever loved me.
And lately,
I can't even stand the face I see in the mirror.

You know when you get old in life
things get taken from you.
That's, that's part of life.
But,
you only learn that when you start losing stuff.
You find out that life is just a game of inches.
So is football.
Because in either game
life or football
the margin for error is so small.
I mean
one half step too late or to early
you don't quite make it.
One half second too slow or too fast
and you don't quite catch it.
The inches we need are everywhere around us.
They are in ever break of the game
every minute, every second.

On this team, we fight for that inch
On this team, we tear ourselves, and everyone around us
to pieces for that inch.
We CLAW with our finger nails for that inch.
Cause we know
when we add up all those inches
that's going to make the fucking difference
between WINNING and LOSING
between LIVING and DYING.

I'll tell you this
in any fight
it is the guy who is willing to die
who is going to win that inch.
And I know
if I am going to have any life anymore
it is because, I am still willing to fight, and die for that inch
because that is what LIVING is.
The six inches in front of your face.

Now I can't make you do it.
You gotta look at the guy next to you.
Look into his eyes.
Now I think you are going to see a guy who will go that inch with you.
You are going to see a guy
who will sacrifice himself for this team
because he knows when it comes down to it,
you are gonna do the same thing for him.

That's a team, gentlemen
and either we heal now, as a team,
or we will die as individuals.
That's football guys.
That's all it is.
Now, whattaya gonna do?

CHOVE!

Hoje acordei assim. Que fixe !!!

Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira

Djeb - El - Tariq

A história tem estórias engraçadas. Em 711 O Conde Julião, governador de Ceuta, fez um acordo com um general Berbere e emprestou-lhe barcos para atravessar as colunas de Hércules. Ele não ia muito à bola dom o rei dos Visigodos, um tal de D Rodrigo (sem qualquer relação aparente com os doces regionais Algarvios) e o facto de ele ter seduzido e abandonado a sua filha não ajudou muito à festa. Então tivemos aquilo que é usual ser caracterizado por uma "salada russa", apesar de não haver na altura qualquer indicação do que viria a ser a Rússia. O conde da última cidade sob domínio Bizantino no Mediterrâneo ocidental, faz um acordo com o emergente império Muçulmano para ajudar a dar cabo do reino Visigótico. Para complicar um pouco mais deixem-me usar outras palavras, uma cidade de um império em decomposição ajuda um novo império em composição para destruir um reino já decomposto. O resultado conhecemos dos livros de história. Os berberes, liderados por Tariq Ibn Zyad invadem o sul da Hispânia, dão um arraial de porrada a D Rodrigo na batalha de Guadalete e em 7 anos são senhores de quase toda a península ibérica. Vem daqui o nome de Gibraltar, no original, Djeb - El - Tariq, ou seja, "o monte de Tariq".

 
Qualquer pessoa que consiga olhar para um mapa percebe imediatamente a importância estratégica deste ponto. Controla a entrada no Mediterrâneo e convém não nos esquecermos que até à expansão europeia para os outros continentes era o Mediterrâneo e não o Atlântico a pedra giratória de toda a geopolítica. Passados muitos anos houve um rei espanhol que morreu sem deixar descendência. Vai daí os Bourbons que reinavam na França entenderam que tinham direito à coroa espanhola, e até tinham. Vai daí, uma coligação enorme de outros estados europeus achou que não era boa ideia a poderosa França e a ainda algo poderosa Espanha estarem juntas sob o mesmo rei e houve a inevitável porradaria. Essa guerra ficou conhecida como a guerra da sucessão espanhola e a coligação foi liderada pela Inglaterra e teve como aliados, entre outros, a Holanda e Portugal. Um belo dia um tipo qualquer Inglês achou boa ideia conquistar Gibraltar e juntou uma força de ataque Anglo-Neerlandesa com apoio Português. Lá foram cantando e rindo e ainda mais cantaram e riram quando conquistaram o rochedo aos espanhóis. Pelo tratado de Uttrech que marcou o fim da guerra em 1700 e qualquer coisa Gibraltar foi cedida ad aeternum à Inglaterra, facto que ainda hoje se mantém, apesar da Inglaterra ser agora o Reino Unido e da Espanha ser agora a Espanha. Com o passar do tempo, os espanhóis fizeram inúmeras tentativas para recuperar Gibraltar, tentativas essas sempre frustradas. Houve cercos que não mataram a população do rochedo à fome (e muito para isso contribuíram pescadores e contrabandistas de Olhão), houve ataques que esbarraram na geologia de Gibraltar que foi transformada numa fortaleza, houve referendos que terminaram com votações na ordem dos 99% contra a integração em Espanha.
Atravessar a fronteira para Gibraltar é entrar num país completamente diferente. Se na travessia para Ceuta sentimos que estamos no mesmo país, apesar de termos trocado de continente, na travessia da fronteira gibraltina temos a certeza que estamos num país diferente. Para começar, os polícias Britânicos sorriem à entrada o que marca logo uma diferença abismal para com os seus colegas espanhóis. Depois há toda uma singularidade e familiaridade anglo-saxónica no trato das pessoas. Infelizmente chegámos tarde a Gibraltar, já passava das 20 horas. Depois de estacionar o carro encostado a uma muralha que dizia "Arsenal Ocidental" fizemos uma pequena incursão pela baixa gibraltina. Estava quase tudo fechado mas deu para perceber que estamos numa tax free zone. As inevitáveis lojas de tabaco e bebidas alcoólicas, umas quantas livrarias, muitos cafés e pubs. Na Irish town o ambiente é tão Irish quanto possível, apesar da hora ser muito proveta para os inevitáveis concursos de borracheira colectiva. Continuámos a explorar a zona até descobrir um sítio onde comer, o que encontrámos, sem que antes eu me tivesse detido junto a uma loja que vendia inúmeras lembranças, incluindo canecas com frases daquelas chamadas lapidares. Estava eu numa alegra galhofa por causa das canecas quando ouço algo parecido com : "Pode entrar, estamos em arrumações mas da sempre para atender conterrâneos". Ora lá está, mais uma verdade absoluta, não há lugar cagado por deus neste planeta onde não se encontre um Português. Não era um, era um casal maravilhoso de Abrantes que estão em Gibraltar há uns 30 anos. Conversa puxa conversa e o Evaristo mais a Zeta ganharam uma prendinha de natal cada um e saímos de lá mais bem dispostos do que tínhamos entrado.
Hora de jantar e vai de entrar num dos muitos pubs que encontrámos. Entre a grande variedade daquilo a que se convencionou num dia de nonsense chamar "cozinha inglesa" eu servi-me de uma jacked potato. Para os leigos, é uma batata gigante assada e aberta ao meio com um recheio à escolha do cliente. O meu era chilli com carne e cheddar cheese.


Não estava tão intragável como à partida pensei mas é daquelas coisas que se comem bem uma vez por década. Depois do jantar com muita pena foi hora de regressar. 23 horas é bom para sair, quando se está a 360 quilómetros de casa. Não deu para dar a volta a Gibraltar, nem para subir ao topo do rochedo. Não foi possível investigar as grutas com as peças de artilharia ainda lá escondidas, nem conseguimos tirar fotos aos macaquitos do rochedo, que são os únicos que vivem livres na Europa, isto apesar do que dizem das claques de futebol.
Um dia regresso, e com tempo. Vale a pena explorar bem este pedacito do Reino Unido que está aqui tão próximo de nós. A próxima vez vou para lá directamente e fico lá o dia inteiro ou um fim de semana. Muito mais do que Ceuta, Gibraltar merece ser conhecido, de uma ponta à outra.


São 18h15. Soltam-se as amarras. O som dos motores em crescendo não engana, três horas depois vai iniciar a viagem de regresso à Europa. Passamos lentamente por um torreão ainda dentro do porto de Ceuta, e, à saída desse mesmo porto, uma estátua de Hércules a empurrar duas colunas com os ombros despede-se de nós e deseja-nos boa viagem. Para trás fica Ceuta, já toda iluminada pelas luzes nocturnas. À frente fica Gibraltar, ainda longe da vista mas já entranhada no pensamento.



São 18h30. O meu plano inicial de ver o pôr do sol no barco a meio do estreito saiu furado. A noite aproxima-se rapidamente e, apesar de não ser um choque para mim descobrir que a Terra não alterou a sua velocidade de rotação para ceder aos meus caprichos, confesso que fiquei um pouco triste.


São 18h35. O vento e o frio são cortantes. O casaco ficou no carro em Algeciras de maneira que a camisa azul é a minha única linha de defesa contra uma temperatura que já é inferior a 10º C. O frio causa uma dor de certa forma libertadora. Os músculos contraem e o corpo treme, os pêlos eriçam e a pele fica arroxeada. Ainda há 40 minutos de viagem pela frente mas a vontade de me render ao canto das sereias, que desde os tempos de Ulisses se transformaram em poltronas confortáveis, reclináveis e climatizadas, não é nenhuma. Passeio pelo convés superior contando as luzes distantes dos navios e sorrio ao compreender a pulsão irresistível que tantos dos meus antepassados sentiram pelo mar.


São 18h45. Enrolo-me à frente da chaminé que vem directamente da casa das máquinas. Sinto nas costas o bafo quente que vem do motor que empurra o barco de regresso à Europa. Se a dor causada pelo frio é libertadora, este calor que me invade os poros é redentor. Finalmente encontrei um aliado para a minha luta contra a tentação de me recolher ao interior.


São 18h50. Atropelado pelo frio que vem de frente e aconchegado pelo bafo quente que vem de trás fecho os olhos com a sensação que o meu corpo se transformou num campo de batalha entre dois inimigos irreconciliáveis. É aqui que a noite me encontra.


São 19h20. Abro os olhos. A noite caiu e olha de forma arrogante para o barco que segue imperturbável o seu rumo. Sobre mim há um céu abobado de estrelas, entre as quais a “minha” constelação, Orion. Abandono a minha fortaleza à procura de ar livre de monóxido de carbono e entrego-me desprotegido ao frio. “O Rochedo” está ao meu lado direito e em frente as luzes do porto de Algeciras indicam a proximidade do destino final. Volto para o meu refúgio térmico. Está quase. Voltarei a pisar solo europeu em breve.


São 19h30. Depois de uma sedutora aproximação, barco e cais encontram-se num breve e fugaz carinho. Vou sair. Gibraltar espera-me.

Ceuta

Foi em 1415 que um reino estável, com as finanças em ordem, um rei ambicioso e montes de infantes temerários e sem nada para fazer decidiu partir à aventura. Na altura falou-se muito em atacar o reino de Granada mas D João I não alinhou na maluquice. Não lhe interessava criar um novo foco de conflitos com Castela, isto apesar da olímpica bordoada que lhes tinha dado 30 anos antes. Foi então decidido que o primeiro passo da expansão Portuguesa seria dado na direcção de Ceuta.

Ceuta era uma importante cidade no norte de África Berbere. Aí confluíam rotas comerciais que abasteciam o Mediterrâneo de ouro, escravos e marfim vindos do interior do continente africano. Existiram vários tipos de argumentos para irmos a Ceuta, geoestratégicos ( era um dos pontos de entrada no Mediterrâneo), económicos (já falei ali atrás lembram-se?), religiosos (matar muçulmanos e continuar a abastecer deus de matéria prima), etc e tal.

A expedição foi preparada com muito cuidado e quando se fez ao mar, tornou-se num conjunto de disparates e asneiras. Correu tudo mal, à excepção óbvia do resultado, que foi uma vitória. Mais de 1/3 da frota apanhou uma corrente qualquer manhosa e foi parar bem dentro do Mediterrâneo sem terem visto Ceuta nem de passagem. Os que deram com o sítio certo, ainda se dividiram em dois grupos, uns seguiram o rei D João I e atacaram no sítio que era suposto atacarem, os outros foram atrás do infante D Henrique e acabaram por atacar as muralhas de Ceuta por outro sítio completamente diferente. Com o passar do dia e da batalha, D João I ficou muito triste pensando que o seu rebento Henrique tinha sido rebentado, mas no entanto ele e o seu grupo foram os primeiros a penetrar nas muralhas. Ainda o rei estava do lado de fora e já o infante estava em Ceuta a fazer aquilo que os europeus ocidentais, civilizados e tementes a deus melhor faziam, a matar tudo o que se mexia à sua frente. Foi a prova conclusiva de que é verdadeiro aquele cliché que diz que o herói é o imbecil que foge na direcção errada quando as coisas dão para o torto.

Ceuta manteve-se em mãos portuguesas muitos anos. Depois da nossa perda da independência continuou governada por portugueses, mesmo durante o governo dos filipinos (reis, não as bolachas redondas de chocolate). Depois da nossa restauração em 1640 o pessoal em Ceuta resolveu não reconhecer legitimidade à casa de Bragança para reinar em Portugal e preferiu ficar com Espanha (porventura adivinharam que um dia muito longínquo tal casa produziria um D Duarte Pio). Não foi a última vez que o pessoal em Ceuta manifestou um estranho conceito de lealdade já que anteriormente tinham permitido a passagem do exército berbere que arrasou o reino Visigótico e posteriormente apoiaram Franco no seu ataque à República Espanhola.

Enfim, chega de história. Cheguei a Ceuta eram 15h15. Sempre tive curiosidade em conhecer a terra por onde começámos a fugir ao nosso destino miserável apenas para regressarmos muitos anos depois tão miseráveis como à partida. Tinha esperança de encontrar algo de exótico, de diferente, afinal de contas apesar de continuar no mesmo país (Espanha) tinha trocado de continente. Confesso que fui à procura de África e de Marrocos mas o que encontrei foi apenas mais uma cidade espanhola, se bem que noutro continente. Iniciámos uma caminhada a pé com destino a nada de especial. O objectivo era passear um bocado, comer e voltar para o barco porque do lado europeu ainda havia onde ir. Cruzei-me à entrada de Ceuta com uma rotunda com o infante D Henrique a apontar caminho sabe-se lá para onde. Provavelmente para Tânger onde deixou o seu irmão morrer aprisionado para não ter que entregar Ceuta aos mouros.


Dei a volta pela fortaleza e contornei o fosso da mesma. Fui em direcção à parte mais antiga da cidade em busca de algo de diferente mas não encontrei nada.


Portugal está muito presente em Ceuta. Nota-se nos nomes das ruas e até nas armas da cidade que ostentam um escudo português e mantêm as cores da cidade de Lisboa. Encontrar um local para comer foi uma aventura e só depois de muito procurar encontrámos um bar com um nome bastante suis generis (guardem as piadinhas para vocês se fazem favor) onde se depenicaram umas tapas para encher o estômago.


Depois disso foi regressar ao barco e esperar pela viagem de regresso à Europa. Apesar de umas quantas fotos bonitas, Ceuta foi uma completa desilusão. Não há lá nada que não pudesse existir em qualquer outra cidade espanhola, a não ser claro, a paisagem natural que é formidável. Nem os bazares marroquinos, nem as ruas com as esplanadas. Ceuta é apenas um pedaço de Europa enxertada em África. Se lá voltar será apenas de passagem para Marrocos.


Hércules teve uma vida lixada. Ser filho de Zeus não dava garantias de nada, especialmente se a mãe em vez de Hera, a esposa legítima, fosse uma das 1.348 amantes que Zeus tomou na sua vida. O tipo era uma espécie de Zézé Camarinha do Olimpo e depois de esgotadas as deusas ao dispor ( algumas delas suas próprias filhas ) não teve outra solução que não fosse virar-se para as mortais. De uma dessas cambalhotas nasceu Hércules que ganhou logo o ódio mortal de Hera. Um belo dia a esposa do seu papá enfeitiçou-o e ele, num ataque de loucura, matou a sua esposa e os seus filhos. Para remediar o mal foi ao Oráculo de Delfos ( uma coisa do género do Marcelo Rebelo de Sousa com a diferença de acertar nas previsões que fazia e nos conselhos que dava ) e foi-lhe dito que tinha que cumprir 12 trabalhos para limpar o seu registo criminal. Os trabalhos foram coisas do dia a dia normal de um semi-deus. Matar um leão, fazer uma corrida com uma corça, capturar um javali, limpar a merda acumulada de 3.000 bois durante 30 anos, apanhar maçãs, ensinar uns truques a um cão gigante com 3 cabeças, entre outros do mesmo calibre. Entre os 12 trabalhos que fez ainda teve tempo para algumas aventuras. Um belo dia encontrou Prometeu ainda aprisionado no Cáucaso e libertou-o, e noutro belo dia resolveu separar os montes Calpe ( actual Gibraltar ) e Abilia ( actual monte Hacho a leste de Ceuta ) e com isso abrir um estreito para ligar o Mediterrâneo ao Atlântico, estreito esse que ficou conhecido como “ as Colunas de Hércules “ e que hoje em dia se chama estreito de Gibraltar.
Serve esta pequena e desinteressante introdução para vos situar na minha despistagem do último sábado. O dia teve início às 7h e a viagem para Algeciras foi tão calma como qualquer viagem de carro em que o carro não dá problemas. Chegar a Algeciras foi simples, encontrar o porto de Algeciras não tão simples mas também não chegou a ser complicado. À entrada do porto os caça gorjetas do costume levaram-me à bilheteira e ao parque de estacionamento e depois de ter sido tratado umas 20 vezes por “hey tu Português” lá entrei no barco mais luxuoso e confortável da minha vida. Aquilo tinha muitos metros de altura e ainda mais metros de comprimento.



Pesava umas não sei quantas toneladas e, pormenor importante, não se chamava Titanic, o que me deu logo uma segurança acrescida. Tinha um bar que oferecia tapas aos passageiros e depois de umas lojinhas de perfumes e relógios vinha a sala principal onde estavam umas quantas centenas de poltronas reclináveis e mais confortáveis do que 85% das camas onde dormi na minha vida. Como não podia deixar de ser, havendo a hipótese de estar sentado, quente e confortável, obviamente que optei por ir para o deck superior apanhar frio e vento nas trombas mas estar ao ar livre.



A partida foi às 14h e depois de umas manobras manhosas que os capitães dos barcos sabem fazer, lá saímos do porto de Algeciras e aproámos a Ceuta. A viagem foi bonita. Passámos ao largo de Gibraltar e foi nesse momento que um grupo de golfinhos resolveu aparecer para nos fazer escolta, o que foi muito bem vindo, apesar de uma irritante incapacidade por eles demonstrada para estarem quietos para as fotografias.



À medida que nos fomos afastando, “o Rochedo” foi ficando cada vez mais pequeno no horizonte sem que contudo se visualizassem os contornos definidos da costa Africana.



Tudo o que tínhamos pela frente era uma névoa indistinta e, apesar de saber o destino esse ainda não estava definido ao olhar. Aos poucos os contornos do monte Hacho surgiram e, milha a milha, África foi surgindo ao olhar protegida por esse véu de mistério que ao longo da história tantos seduziu.




Uma hora e 15 minutos depois de sair da Algeciras o navio inicia as manobras de entrada no porto de Ceuta e dez minutos depois disso volto a pisar o continente Africano, mais de 34 anos depois de o ter abandonado numa manhã de Agosto em Luanda.

A primeira parte termina aqui. Em breve virá o resto do relato.

Sofá

Costumo dizer que a vida é feita de pequenos passos. Aliás, muita vezes até o faço em defesa própria visto que alterno fases de grande dinamismo com outras de maior preguiça.
Há para mim no entanto uma verdade evidente, é fundamental construir algo que nos faça um dia ver que não estamos no mesmo sítio, que não cristalizámos presos à ditadura do dia-a-dia. Que estamos melhor do que num passado, próximo ou distante.
É exactamente por isso que adoro as pequenas conquistas, porque me mostram que subi mais um degrau. Posso não saber bem em direcção a quê, o que às vezes acontece, mas saber que tenho mais, que sou mais, ou que fui mais longe já é garantia e estímulo para não parar.
Vem toda esta conversa porque este fim de semana chegou o meu sofá. Sim, foi só isso. A minha sala está menos vazia e mais aconchegada. Aos poucos a minha casa vai deixando de ser um aglomerado caótico e sem sentido e começa a parecer-se cada vez mais com aquilo que eu quero.
Comprá-la foi fácil. Foi pedir dinheiro emprestado a gente que faz da sua vida emprestar dinheiro aos outros e assinar uns 438 papeis. Agora vem o difícil, pagá-la e fazer daquelas 4 paredes e duas varandas maravilhosas um lar. Vai ser uma luta ciclópica, eu sei.
Mas este fim de semana conquistei um sofá. Palmas para mim !!!

Aniversário

Cumpriu-se dia 30 passado o 35º aniversário da minha existência.
Não se preocupem que não vos vou maçar (nem a mim) com um balanço desses 35 anos. Quero apenas dizer-vos que, ao contrário do que me senti quando regressei a casa, foi um dia excelente. Nele participaram muitas pessoas que insistiram em marcar presença, fizeram questão de me recordar (como se o pudesse esquecer) que significo alguma coisa para elas.
Foram amigos dos tempos de Universidade e de Escola, colegas de trabalho e antigos alunos. Pessoas íntimas e outras mais superficiais, próximas e distantes, algumas ocasionais e outras eternas. A todas agradeço do fundo do coração.
Há quem não goste do seu dia de anos por temer a lenta passagem do tempo e os seus efeitos. Eu adoro. É o dia mais bonito do meu calendário. Pelo menos dia 30 de Novembro eu sei que, graças a vós, qualquer balanço da minha vida que um dia faça, só pode ser positivo.

Mário de Sá Carneiro

Genial. É tão fácil de explicar que não entendo como é que vocês não compreendem.



[...]Eu decido correr a uma provável desilusão: e uma manhã recebo na alma mais uma vergastada - prova real dessa desilusão. Era o momento de recuar. Mas eu não recuo. Sei já, positivamente sei, que só há ruínas no termo do beco, e continuo a correr para ele até que os braços se me partem de encontro ao muro espesso do beco sem saída. E você não imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!... Há na minha vida um bem lamentável episódio que só se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento em que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável. Mas não era, não era. É que eu, se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebê-lo até ao fim. Porque - coisa estranha! - sofro menos esgotando-o até à última gota, do que lançando-o apenas encetado. Eu sou daqueles que vão até ao fim. Esta impossibilidade de renúncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas na vida é uma triste coisa. Os actos da minha existência íntima, um deles quase trágico, são resultantes directos desse triste fardo. E, coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguém as compreende. Ou tão raros...

Mário de Sá-Carneiro, in "Cartas a Fernando Pessoa"

Pedro Ferro

É daquelas coisas que não têm grande explicação, se é que têm alguma. Não me diz directamente respeito mas sem saber bem porquê foi uma notícia que me alegrou um pouco um dia muito complicado.
Cresci a ler o avô. Conheci a avó episodicamente. Dos pais apenas sei o nome. A tia, essa, cruzou a minha vida "com a determinação de uma carga de cavalaria e a sedução de um tango".
Espero que chegues depressa e bem Pedro. Espero que sejas a alegria que a tua família merece.
És uma esperança de vida e um germinar de sonhos.
Parabéns a toda a família.

Um raio de luz

Esta noite aconteceu uma coisa deveras estranha. Um raio de luz apareceu vindo não sei bem de onde e entrou num quarto muito escuro.
Pensa bem no que estás a fazer e ao quê que vens porque se for para ficares, não encontrarás da minha parte grande oposição.
Não fui feito para viver em escuridão.

O amor é um lugar estranho

Hoje enviaram-me o link deste blog e gostei do que li. Parei logo no último post lá colocado e subscrevo-o na íntegra, trocando os sexos, claro. É isso mesmo ! Podem levá-las de livre vontade, fiquem com elas, façam-nas felizes ou usem-nas como depósito do que tiverem a mais no corpo quando vos apetecer.
É a vida !

Back to the past

Cá estou de regresso a Olhão. Encontrei tudo igual. Para lá de um pequeno acidente de percurso em termos políticos, a mesma rotina, as mesmas vontades, o mesmo objectivo, as mesmas indecisões.
O que mais gosto nos momentos em que tudo parece empenado é que é aí que encontro as forças para dar os abanões de que preciso.
Quanto mais tempo precisarei para me mentalizar que está na hora de abanar ? Não muito, pelas minhas contas. É já tudo uma questão de fé. O que me influenciará mais nos próximos tempos? O que vejo ou o que quero ver?
A vida segue dentro de momentos.

Porto Peles

De regresso ao Algarve depois de uns dias de férias e parei em Porto Peles para jantar. Alguém  cuja paixão pela culinária partilho aconselhou-me esta aldeola perdida por perto de Beja e lá fui eu. Porto Peles é literalmente uma aldeola com uma 12 casas e 2 restaurantes. Um dos dois estava no seu fecho semanal, ou seja, tinha 100% de hipóteses de acertar num sítio aberto para jantar.
Lá fui eu ao Toy e devorei avidamente umas presas de porco preto que foram apenas os pedaços de carne mais tenros que comi nos últimos anos. Depois de uma bela refeição regada com um bela garrafinha de 0,375 cl de vinho tinto, encostei-me na cadeira de volta do meu café e a escrever ( a minha sobremesa preferida ). Passado uns bons 15/20 minutos, à medida que o silêncio a que me tinha votado por causa da escrita se começava a tornar ensurdecedor, começo a tomar mais atenção ao que se passava à minha volta e começo a ouvir as conversas. No meio dos 10/12 homens encostados ao balcão, uma voz sobrepoe-se às restantes.
"Mas vocês já viram isto ? Este restaurante está cada vez melhor. Agora até já poetas cá aparecem"
OK, até aqui tudo bem. Lá vou escrevendo mais um pouco.
"Oh Toy, tu já viste isto ? Ai o gajo dum cabrão, se eu escrevesse metade daquilo caiam-se-me os dedos"
Bem, agora as coisas começam a ser um bocado evidentes.
"Oh amigo, ei vocemessê aí do chapéu preto, está a pagar alguma promessa ?"
É mesmo comigo. Levanto a cabeça e vejo o alentejano mais típico do Alentejo. Baixo, barrigudo, pelo menos mais barrigudo do que eu, vestido de preto, com uma boina e uma bigodaça imperial.
"Boa noite. Como está ?"
"Eu bem. Mas vocemessê parece que está a pagar alguma promessa. Como é que consegue escrever tanto? É algum escritor ou algum poeta ?"
"Essa é difícil amigo. Há quem diga que sou uma coisa, há quem diga que sou a outra, há até quem defenda que sou ambas. Apenas gosto de escrever."
"Eh diabo, eu também gosto de tratar da minha horta mas não ando a cavar por prazer."
"Ehehehe (sorrio eu). Boa comparação. Mas eu gosto mesmo de escrever e às vezes nem sequer preciso de grandes motivos."
"Eu acho que a devia convidar para o baile da sua aldeia. Dance com ela um bocadinho que é melhor do que lhe escrever essas folhas todas."
Confesso que não tive resposta para esta. Nem sequer me dei ao trabalho de lhe tentar explicar que a minha aldeia tem 30.000 habitantes. Depois do meu silêncio, ele voltou ao ataque.
"Mas que tanto gosta vocemessê de escrever ?"
"Olhe amigo, gosto de escrever sobre tudo e sobre nada. Gosto particularmente de escrever depois de jantar e, por estranho que lhe possa parecer, para Algarvio, gosto muito de escrever no Alentejo e sobre o Alentejo"
"Um algarvio aqui ? Oh Toy o teu restaurante está a ficar conhecido ! E o quê que vocemessê escreve sobre o Alentejo ? Se é que posso perguntar, claro."
"Escrevo sobre uma terra que a natureza fez quase perfeita e depois tirou-lhe a água, como que para mostrar que a perfeição não passa de um ideal inacabado. Escrevo sobre um povo cansado e torturado que parece vencido mas não rendido. Sei lá, escrevo muitas coisas."
Silêncio. Não só o dele mas o de todos a não ser da TV. Durante uns 15 segundos tive toda a eternidade para pesar o que tinha dito e para pensar se tinha estado muito bem ou se tinha cometido uma das minhas olímpicas argoladas. Finalmente ...
"Eu bem te disse Toy, esta noite tens um poeta no teu restaurante. Sai um abafadinho ali para o Algarvio."
Qualquer esperança de solidão que ainda pudesse ambicionar terminou naquele momento. Não sei bem qual a definição de "abafadinho" mas depois do primeiro veio o segundo e depois desses dois, outros três. Passei de tipo esquisito sentado num canto a escrever a velho amigo de olivais e cearas. Falámos de seca e de chuva, de calor e de geada, dos mares infinitos que banham o Algarve e do sol abrasador que queima o Alentejo. Fui aceite e adoptado, gozado e acarinhado por um grupo de homens que nunca vi e dificilmente voltarei a ver.
Depois de muitos protestos deles, fugi do restaurante e de Porto Peles. Os meus planos de chegar a casa ainda hoje foram torpedeados por meia dúzia de abafadinhos e por uma dúzia de alentejanos. Conduzi com todo o cuidado do mundo até Beja e aluguei um quarto na pousada da juventude de onde agora escrevo. Amanhã regresso, com o estômago e a alma preenchidos.
Citando um anúncio de TV que anda na moda:
"Seria possível existir Portugal sem o Alentejo ?" Não sei. Talvez fosse. Mas não seria a mesma coisa.

Férias

Voltarei em breve, num blog perto de si. Beijos e Abraços.

Someone saved my life tonight

Não é muito fácil escrever este texto. Apesar disso é fundamental fazê-lo. Hoje foi um dia bonito, apesar de todas as expectativas em sentido contrário. Por vezes estamos tão embrenhados na nossa vida do dia-a-dia que nos esquecemos que há momentos na vida que nos ultrapassam e nos açambarcam de um forma avassaladora.
Hoje foi um desses dias. Não fiz nada de diferente, não pedi nada a ninguém e alguém deu-me tudo.
Uso a net para muitas coisas, incluindo para aqueles joguinhos estranhos em que pessoas do mundo inteiro partilham uma realidade que parece ser apenas virtual. Num desses joguinhos, o meu preferido, conheci muita gente, a maior parte da qual nem referência merece. Mas além desses houve meia dúzia que insistiram em ser mais do que parceiros anónimos de uma aventura virtual. Uma dessas pessoas hoje gravou a ferro e fogo o seu nome no meu coração.
É estranho estar a escrever sobre alguém de quem não sei nada, nem virei a saber. É complicado referir o papel de alguém que nada, ou quase nada de mim sabe ou virá a saber. A realidade é que hoje um raio de luz entrou numa caverna escura, fria e povoada por monstros.
Hoje, numa conversa partilhada entre o msn e o skype, alguém teve a doçura e o carinho de me fazer sentir algo mais do que aquilo a que estou habituado. Fê-lo de forma altruista e desinteressada, fê-lo, quem sabe se por obrigação profissional, quem sabe se por dedicação a um amigo desconhecido. Não me interessam neste momento as razões, como devem calcular. Sei que alguém que comigo nunca nada partilhou, a não ser um jogo de computador, traçou uma linha na areia e assumiu que nada me aconteceria de mal enquanto olhasse por mim.
Um dia ensinaram-me que uma vela acesa nada perde por acender uma apagada. Tenho passado a minha vida a tentar ser essa vela acesa e nunca nos últimos anos, até hoje, me tinha apercebido do que é estar no papel da vela apagada.
Obrigado pelo que me fizeste S. Hoje deito-me confortado por saber que pessoas como tu defendem a muralha que existe à minha volta. As feridas do corpo tratam-se, ou pelo menos controlam-se. As feridas que pensei ter na alma já nem sequer existem. Enquanto for possível ser salvo da forma que me salvaste hoje, posso ter a certeza que a vida é muito mais do que a arte de gastar oxigénio e produzir dióxido de carbono. Hoje a minha fé na humanidade foi renovada, hoje a minha crença na amizade foi reforçada.
Agradeço-te do fundo de um coração grande e atormentado. Hoje, mais do que um simples fogo fátuo, foste uma lareira e um farol.
Obrigado S.
You saved my life tonight !

Filosofia Coldplay

O que começa como "Fix You" ... acaba como "Yellow".

A montanha pariu um rato






Esta é bem capaz de ser das expressões que são pior utilizadas. Quando dizemos “A montanha pariu um rato” estamos a fazê-lo num sentido pejorativo para indicar uma situação ou uma pessoa que muito prometeu e pouco cumpriu. É uma das melhores metáforas para indicar a nossa decepção perante um resultado que frustrou as nossas expectativas.
Olhemos agora para a mesma expressão e analisemo-la para lá das dimensões dos envolvidos, a montanha e o rato. Experimentemos por um momento comparar as suas naturezas. A da montanha, mineral, e a do rato, ser vivo. Uma montanha é uma estrutura geológica composta for rochas que são agregados de minerais. O Silício é o seu tijolo estruturante e, tal como todas as estruturas minerais, o seu segredo está na estabilidade da sua rede cristalina. A ordem e a organização são as suas leis e ninguém espera que uma montanha mude de forma, de cor ou de local por vontade própria. Ninguém espera que uma montanha faça o que quer que seja, a não ser ser erodida pela lenta e inexorável acção do tempo e dos fenómenos do meio ambiente. Um rato, por seu lado, é um ser vivo. O Carbono é o seu criador, o seu imperador e o seu destino. O rato é concebido, nasce, cresce, reproduz-se e morre. Basta uma das inumeráveis reacções químicas que ocorrem no seu corpo para estarmos na presença de uma complexidade infinitamente superior a tudo o que ocorre numa montanha.
Podemos então concluir que se uma montanha parisse um rato, estaríamos na presença de um milagre da natureza. Esta expressão é um claro exemplo de como as leis da natureza podem expor o real sentido de uma sabedoria popular. Que podemos fazer então ? Será que se ignorarmos as leis naturais as coisas funcionarão de forma diferente ?
Podíamos rasgar os estudos de Newton na esperança de que a gravidade desaparecesse e todos pudéssemos voar tão alto como os nossos sonhos. Se queimássemos os livros de Galileu talvez voltássemos a acalentar a esperança de que o nosso pequeno planeta voltasse a estar no centro do Universo. E o que dizer de Freud ? Não era giro acabar com o trabalho dele e voltar a acreditar que somos de facto conscientes de todas as nossas acções ? E Darwin ? Este então era lindo de destruir. Acabava de vez a selecção natural, deixávamos de ser um produto da evolução, com antepassados comuns com os macacos, e voltávamos a ser obra divina criada à imagem e semelhança de deus para reinar em seu nome sobre o mundo. Por falar em deus, e se reduzíssemos a cinzas a bíblia, o Corão e a torah ? Deus acabaria, o Olimpo voltaria com o seu cortejo de deuses humanizados e, ainda, com a vantagem de deixarmos de ter que aturar o Saramago. Será que tudo isto funcionaria ?
Não ! Não funcionaria. As ciências, sejam elas exactas ou inexactas, concretas ou abstractas, ocultas ou esotéricas, não criam nem inventam a realidade, apenas a tentam explicar. Ignorá-las, combatê-las ou repudiá-las não muda num milímetro o mundo em que vivemos. Estaremos então condenados a viver num mundo que pode ser explicado, compreendido e regido por leis científicas e equações matemáticas ?
Mais uma vez, não ! Claro que não ! Ainda temos a poesia.
Na poesia somos completamente livres. Podemos voar até onde quisermos, só pelo facto de o querermos. Podemos plantar sonhos em solos de nuvens e esperar pela Primavera para colher os seus frutos, as estrelas. Podemos enterrar flores no coração e chamar de sentimentos às suas pétalas. Somos capazes de amar o próximo e o distante, o presente e o ausente só porque estamos vivos ou porque queremos reavivar a vida de alguém. Na poesia não há regras a não ser as nossas, não há limites a não ser os que ultrapassamos. Há apenas vontade, que é a verdadeira inspiração para a Liberdade. Sejamos então poetas, sonhemos com anjos e construamos um mundo onde o impossível não passe de um conceito teórico criado para nos recordar o quão pequenos podemos ser se deixarmos de sonhar.
Então mas é ou não possível uma montanha parir um rato ? É pois ! Aconteceu hoje. O cerro de S. Miguel deu à luz um chinchila branco com as patinhas cinzentas e uma risca dourada na cabeça. Que tenha uma vida boa e que seja muito feliz.

Loucura

Acho que vou a caminho de Lisboa daqui a hora e meia. Sandra, Nuno, aguentem as coisas e não comam as entradas todas, o dia hoje é para libertar a alma e afogar as saudades. Esperem por mim que aparecerei, cedo ou tarde, esta noite é nossa.

Linhas cruzadas

Duas linhas cruzaram-se. Uma delas seguia o seu caminho. Não era um caminho muito bem definido, diga-se. Seguia apenas em frente, umas vezes convicta do rumo, outras apenas seguindo porque estar parada era impensável. A outra andava por aí, errática sem saber muito bem qual o seu caminho. Foi mais um choque do que um cruzamento. Foi rápido, intenso e depois, da mesma forma que apareceu perpendicularmente vinda do fundo do nada, a segunda linha para o fundo de tudo perpendicularmente partiu.
Durante algum tempo foram caminhando juntas de forma não muito bem definida. Uma queria que trilhassem um caminho em comum, sem que nenhuma delas perdesse a sua individualidade, a outra preferia continuar a cruzar-se perpendicularmente com a primeira, quem sabe infinitamente.
Ao fim de algum tempo, voltaram a separar-se. A primeira linha acabou por se tornar numa estrada. Serpenteou por montes e vales, cruzou rios, campos e searas. Não se sabe bem onde chegou, se é que chegou a algum lado, mas envolveu-se no mundo e fez parte dele. A segunda linha, essa, continuou a andar por aí. Um dia arranjou emprego como bola de flipper e passou o resto da vida numa máquina a dar bordoadas nas paredes consoante as pancadas que levava.
PS - Por favor, alguém escreva um final mais feliz para isto. Obrigado.

Outono

Dois dias seguidos de chuva e parece que chegou o Outono. Finalmente, digo eu. Não percebo o que é que as pessoas têm contra a chuva e custa-me bastante a compreender as depressões de fim de Verão. Há quem se consiga sentir bem com a ideia de um Verão interminável em que o Sol seja imperador único no céu, as nuvens exiladas para outras coordenadas geográficas e a chuva banida até mesmo da memória. Eu não consigo. Em primeiro lugar sou sagitariano logo nasci no Outono. É nesta estação que me sinto melhor, pelo menos mais próximo da minha verdadeira natureza.
O Inverno para mim aguenta-se estoicamente, porque não se lhe é possível fugir, a Primavera é uma estação de esperança e também de algum cansaço, está intimamente ligada ao final do ano lectivo que nunca é fácil. O Verão é um tempo de felicidade, pura, honesta, altruísta e inabalável. O Sol leva-me sempre mais longe do que julgo ser capaz, tira-me sempre dos ombros pesos que devia carregar, dá-me sempre energias para lutas mais complicadas do que as que posso vencer. Qual é então afinal o meu problema com este Verão demasiadamente prolongado ? É simples, estou farto de me sentir feliz. Estou a precisar da doce melancolia Outonal, das tardes de chuva, da necessidade de mais uma mantinha porque o frio se instala no corpo e ameaça instalar-se também na alma. Estou a precisar daqueles momentos introspectivos, de me afastar um pouco do mundo e regressar a mim. A melancolia inspira-me, solta-me os pensamentos, clarifica-me sentimentos e recorda-me os porquês das minhas lutas. A procura da felicidade é um processo contínuo e se há de facto pessoas que conseguem afirmar sem vergonha que vão ser felizes para sempre, só posso dar graças por não ser uma delas. A minha felicidade, a existir ou a conquistar, será difícil, espinhosa e complexa, mas não tenho dúvidas que será construída em tardes ou noites de Outono. Será preparada para resistir aos invernos da vida, para florescer nas primaveras e viver louca e intensamente nos verões, nunca esquecendo a sua génese Outonal.
Hoje regresso a mim, aos meus mais profundos alicerces, à minha mais segura fortaleza. Sê bem vindo Outono, no meu colo terás sempre um amigo, no teu regaço terei sempre companhia.

Regresso

O despistagens voltou. Tenham medo, tenham muito medo !!!

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