Bracara Augusta

1h50. Depois de uns metros de travagem, o comboio pára. Abrem-se as portas, um frio medonho rasga-me os poros já adormecidos pelo sono.
Rezam as lendas, acompanhadas por alguns factos clínicos, que um dos sintomas frequentes da hipotermia é o adormecimento. Como se o frio servido em excesso fosse desligando um por um todos os nossos interruptores até que a morte avance lenta e inexorável para nos libertar. Acredito que seja verdade se bem que este frio Bracarense é tórrido e não glacial.
Bastou pôr os pés fora da estação. Bastou inspirar fundo. Bastou fechar os olhos. Estou de volta a um local de onde nunca verdadeiramente saí, mas tive a sorte de me afastar. Assim todos os reencontros são mágicos e toda a ausência quase insuportável. Faz parte da condição humana valorizar o que se perdeu, o que fugiu, o que não se tentou conquistar.
9h30. Depois de um banho debaixo de um chuveiro a expelir água à temperatura do magma, estou pronto. Estou em Nogueira, tenho o centro de Braga numa direcção e a casa do Miguel em Escudeiros, na direcção oposta. Sigo para Escudeiros. São uns 8 ou 9 km que não me incomodam nada. O frio já nem sequer merece o estatuto de incógnita nesta equação.
Andar a pé por estes lados é como embarcar numa viagem ao passado. Andei, corri e palmilhei todas as estradinhas deste concelho, e mais do que muitas vezes. Há mais uma estrada aqui, mais um viaduto acolá, mas o essencial mantém-se imutável. Esta terra continua cheia de Minhotos, abençoados sejam. Pela sua simpatia, pela forma como sorriem e cumprimentam quem não conhecem, nem querem conhecer. Abençoados sejam pelos sorrisos que são tão quentes como o frio que os cerca, abençoados sejam por conseguirem manter as casas sempre abertas para o próximo e o distante. Abençoados sejam pelo seu sotaque maravilhoso que devia ser património da Humanidade.
Vir a Braga no inverno é ter uma aula prática de como o calor humano é sempre mais forte do que o frio atmosférico. Vir a Braga no inverno é inverter a vasoconstrição que nos arroxeia a pele à custa da dilatação do coração que às vezes parece querer rebentar quando se encontra um rosto conhecido, um local onde se foi feliz, uma pedra onde se sentou, riu, chorou ou viveu. Esta cidade está inundada de memórias que vão de menos infinito a mais infinito. Esta cidade onde passei mais do que sei explicar mas muito menos do que ainda quero viver.
Na noite de 29 para 30 de Setembro de 1992 vim de comboio a caminho de Braga para me matricular na Universidade do Minho. Na altura deixei tudo e todos para trás e pensei algo como "vou ali tirar um curso e já volto para casa". Nunca teria adivinhado na altura que me estava a dirigir a tudo o que uma casa deveria ser.

1 comentários:

Adorei...
Braga deixou muitas saudades e muitas recordações...

19/1/11 01:14  

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