Hércules teve uma vida lixada. Ser filho de Zeus não dava garantias de nada, especialmente se a mãe em vez de Hera, a esposa legítima, fosse uma das 1.348 amantes que Zeus tomou na sua vida. O tipo era uma espécie de Zézé Camarinha do Olimpo e depois de esgotadas as deusas ao dispor ( algumas delas suas próprias filhas ) não teve outra solução que não fosse virar-se para as mortais. De uma dessas cambalhotas nasceu Hércules que ganhou logo o ódio mortal de Hera. Um belo dia a esposa do seu papá enfeitiçou-o e ele, num ataque de loucura, matou a sua esposa e os seus filhos. Para remediar o mal foi ao Oráculo de Delfos ( uma coisa do género do Marcelo Rebelo de Sousa com a diferença de acertar nas previsões que fazia e nos conselhos que dava ) e foi-lhe dito que tinha que cumprir 12 trabalhos para limpar o seu registo criminal. Os trabalhos foram coisas do dia a dia normal de um semi-deus. Matar um leão, fazer uma corrida com uma corça, capturar um javali, limpar a merda acumulada de 3.000 bois durante 30 anos, apanhar maçãs, ensinar uns truques a um cão gigante com 3 cabeças, entre outros do mesmo calibre. Entre os 12 trabalhos que fez ainda teve tempo para algumas aventuras. Um belo dia encontrou Prometeu ainda aprisionado no Cáucaso e libertou-o, e noutro belo dia resolveu separar os montes Calpe ( actual Gibraltar ) e Abilia ( actual monte Hacho a leste de Ceuta ) e com isso abrir um estreito para ligar o Mediterrâneo ao Atlântico, estreito esse que ficou conhecido como “ as Colunas de Hércules “ e que hoje em dia se chama estreito de Gibraltar.
Serve esta pequena e desinteressante introdução para vos situar na minha despistagem do último sábado. O dia teve início às 7h e a viagem para Algeciras foi tão calma como qualquer viagem de carro em que o carro não dá problemas. Chegar a Algeciras foi simples, encontrar o porto de Algeciras não tão simples mas também não chegou a ser complicado. À entrada do porto os caça gorjetas do costume levaram-me à bilheteira e ao parque de estacionamento e depois de ter sido tratado umas 20 vezes por “hey tu Português” lá entrei no barco mais luxuoso e confortável da minha vida. Aquilo tinha muitos metros de altura e ainda mais metros de comprimento.
Pesava umas não sei quantas toneladas e, pormenor importante, não se chamava Titanic, o que me deu logo uma segurança acrescida. Tinha um bar que oferecia tapas aos passageiros e depois de umas lojinhas de perfumes e relógios vinha a sala principal onde estavam umas quantas centenas de poltronas reclináveis e mais confortáveis do que 85% das camas onde dormi na minha vida. Como não podia deixar de ser, havendo a hipótese de estar sentado, quente e confortável, obviamente que optei por ir para o deck superior apanhar frio e vento nas trombas mas estar ao ar livre.
A partida foi às 14h e depois de umas manobras manhosas que os capitães dos barcos sabem fazer, lá saímos do porto de Algeciras e aproámos a Ceuta. A viagem foi bonita. Passámos ao largo de Gibraltar e foi nesse momento que um grupo de golfinhos resolveu aparecer para nos fazer escolta, o que foi muito bem vindo, apesar de uma irritante incapacidade por eles demonstrada para estarem quietos para as fotografias.
À medida que nos fomos afastando, “o Rochedo” foi ficando cada vez mais pequeno no horizonte sem que contudo se visualizassem os contornos definidos da costa Africana.
Tudo o que tínhamos pela frente era uma névoa indistinta e, apesar de saber o destino esse ainda não estava definido ao olhar. Aos poucos os contornos do monte Hacho surgiram e, milha a milha, África foi surgindo ao olhar protegida por esse véu de mistério que ao longo da história tantos seduziu.
Uma hora e 15 minutos depois de sair da Algeciras o navio inicia as manobras de entrada no porto de Ceuta e dez minutos depois disso volto a pisar o continente Africano, mais de 34 anos depois de o ter abandonado numa manhã de Agosto em Luanda.
A primeira parte termina aqui. Em breve virá o resto do relato.
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