Não sei quando começou. Ou talvez até saiba. Eu compreendo que tenha sido chato teres sido denunciado a meio de um roubo. Eu até aceito que haja uma vontade de vingança contra o gajo que te denunciou. Eu assumo o meu papel em toda esta novela mexicana, epá, mas porquê hoje ? Não podias ter escolhido outro dia ? Sabes onde moro, já te cruzaste comigo várias vezes na rua, por que raio tinhas que fazer isto logo hoje ?
No início foi tudo muito rápido, sem sequer ter direito a um daqueles diálogos que servem de prólogo nos filmes.
“Lembras-te de mim ? Eu disse que te ia apanhar !”
“Sim, mas olha, apanha-me outra noite porque estou com alguma pressa e tenho gente à espera.”
Dois segundos depois já estou a apanhar. Levo um soco entre o queixo e a boca, pelos vistos o gajo está a levar isto a sério e não vale a pena mandar bocas parvas. Dou dois passos atrás.
“Não achas que é melhor ter calma antes que isto piore ?”
Avança na minha direcção. Levanta a mão e soca o vazio, eu fui mais rápido desta vez. Não desiste. Mais dois socos perdem-se no ar, o terceiro acerta-me no ombro esquerdo. Empurro-o. Tenho tempo e espaço para fugir mas algo me prende as pernas, algo me amarra a vontade e fico a olhar impávido enquanto se levanta e volta a avançar na minha direcção. Nova tentativa, desta vez prendo-lhe o braço e enfio-lhe o punho no peito, por baixo do esterno, com toda a força que tenho e não tenho. Cambaleia, cai. Está com um joelho no chão a ofegar, devo ter acertado mesmo no sítio certo.
“Já percebeste que é melhor parar com esta merda antes que nos magoemos a sério ?”
No meio de um arraial de insultos viro-lhe as costas e vou-me embora.
“Estás a fugir oh maricas de merda ?”
Volto a virar-me. Agora está de pé com uma tábua de madeira na mão. Isto está mesmo a ficar complicado.
“Ainda bem que trouxeste uma muleta, vais precisar dela.”
É mais forte do que eu, não consigo estar calado nem sob ameaça. A porcaria da tábua passa ao lado da minha cabeça uma vez, à segunda acerta-me em cheio em cima do olho direito. Desta vez doeu a sério, agora sou eu que cambaleio inebriado por uma tontura súbita. Quando volto a levantar a cabeça ele está a avançar, e agora segura a tábua com ambas as mãos. Jogo o pé direito com força contra a parte que sei que lhe vai doer. Pronto, parece que isto resolveu de vez o problema. Mas não, ainda não. Dou-lhe mais um pontapé, de cima para baixo num dos joelhos. Está deitado no chão sem saber onde se agarrar por não saber o que lhe dói mais.
“Chega Nicolae”, digo-me a mim mesmo mas ignoro-me. Ajoelho-me sobre o seu peito, “Não faças isso !”, um soco, dois, três …
“Pára” pede-me ele. Quatro, cinco … Não percebes que não te estou a bater ? Não percebes que essa tua figura frágil e desprotegida me enoja ? Não consegues entender que olho para ti e só consigo ver a minha cara ?
Seis, sete … agarro-lhe os cabelos com a mão esquerda, puxo-lhe a cabeça para trás e levanto a mão direita para um soco final mas paro a meio.
Não sei o que aconteceu. Já revi a cena umas dezenas de vezes mas continuo a não compreender o que me fez parar. Pode ter sido o sabor acre do meu sangue na boca, pode ter sido o gosto amargo da adrenalina, a dor lancinante na cabeça. Posso ter tido uma epifania de humanidade no meio da selvajaria, posso apenas ter-me lembrado que estavas à minha espera.
Levanto-me e volto para casa. Olho-me ao espelho para ver o resultado da aventura. Um lábio inchado, um olho que parece uma batata mal enxertada e a mão direita vai começar a doer, é certo como um pêndulo. Não tenho paciência para tratar das feridas, que não são mais do que superficiais, pelo menos comparadas com as outras. Sento-me no sofá, troco duas smss e deito-me. Não consigo parar de tremer, não sei se de raiva, de vergonha ou de nojo. Já sei que não vou conseguir ficar aqui fechado mas ainda resisto a sair, estou no “good bye cruel world” dos Pink Floyd, o muro está definitivamente a fechar. Sou o Anakin Slywalker depois de chacinar os Jedis, vejo-me claramente a atravessar uma fronteira que não conhecia. Tenho que sair, tenho que te ver, tenho que ver alguém. Esta viagem tem que ser interrompida e tem que ser já. Não quero ver ninguém mas nunca precisei tanto de pessoas à volta. É isso, estou a precisar de ajuda, vou sair. Até já.
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