Li esta manhã no Diário de Notícias uma citação de Abbas Kiarostami que não me sai da cabeça. Segundo ele, "Os rostos são as paisagens mais dramáticas de todas".
Não discuto. Não estou em posição de o fazer, e, mesmo que estivesse, não sou ninguém para pôr em causa afirmações deste calibre, baseadas claramente em experiências de vida que não conheço nem compreendo. No entanto, o Kiarostami que me perdoe, mas direi mais algo sobre o assunto. E fá-lo-ei por um único e simples motivo, o teu rosto. Já que tenho uma arma poderosa para embirrar com um citação que, como escrevi há segundos atrás, não ia discutir, nada como usar essa arma e esperar que a minha contradição passe despercebida.
O teu rosto é simples. Não tem nada de exuberante nem de espampanante, tal como as melhores obras de arte, é nos pormenores que se reconhece. Não é demasiadamente redondo nem angularmente quadrado. Não é esguio e comprido, nem reduzido e delgado. É apenas o teu, e sinceramente, não poderia ser de mais ninguém, tal como não poderias ter outro diferente. Costumo perder-me em segredo nos teus cabelos. São longos mas não demasiado compridos, mais do que encaracolados, são simplesmente revoltos. Por mais que os tentes pontualmente esticar, não funciona. És daquelas pessoas cuja alma se apropriou de partes do corpo, tendo o processo começado exactamente pelos teus cabelos. Transmitem muito mais de ti do que as tuas palavras. Não são só revoltos, são livres, enérgicos, por vezes até caóticos, mas vê-los descer dessa tua cabeça brilhante, vê-los acariciar o teu rosto com essa melena branca envergonhada é mais do que estou habituado a pedir quando peço por momentos de simples beleza.
Depois há as tuas sobrancelhas, adoro-as. Essas sim dão bem nas vistas. Parecem traçadas a carvão num quadro de óleo. Firmes, imponentes, por vezes dá a sensação que foram cavadas como uma trincheira. São elas as principais responsáveis pelo tal ar de intimidação que dizes transmitir às pessoas. Para mim são apenas um escudo. São um escudo protector para os teus olhos, que de tão naturalmente castanhos, só se afirmam pelo olhar. Que seria desse teu olhar cheio de ternura envergonhada se não se pudesse esconder atrás das tuas sobrancelhas ? Que imagem conseguirias passar de ti mesma se todas as pessoas te conseguissem olhar bem no fundo do teu olhar sem que nada te protegesse ? Considero-me um privilegiado por fazê-lo frequentemente, mas sinceramente mereço-o. O teu olhar é o calcanhar de Aquiles de toda a tua fortaleza. Não foi fácil percebê-lo, mas foi lindo descobri-lo. Todas as pessoas num dado momento deixam que venha à superfície o que têm de mais valioso guardado num cofre mágico a que chamam de coração. Nem todas têm contudo a noção que o fazem, nem todas conseguem compreender que não é possível esconder segredos para sempre. Os teus, é através do olhar que se revelam, e quando isso acontece, só apetece mergulhar, viver, sonhar e morrer nesse olhar.
Podia ainda falar da tua boca e da forma como promete fontes de água inesqueciveis para quem a beber. Podia falar do teu nariz que goza com o conceito Aquilino das Deusas Gregas, podia ainda refugiar-me nas tuas orelhas onde tantas vezes quero entregar palavras que só para ti inventei mas não o vou fazer agora. Já só consigo pensar nas tuas rugas de expressão que se espalham concêntricas na tua face quando sorris. São responsáveis por esses risos e sorrisos abertos e envolventes que conseguem inundar uma sala, com jeitinho, aposto que conseguiriam inundar uma vida.
É como te digo, o teu rosto é uma daquelas obras de arte que sendo singelo no todo é magnífico nas várias partes que o constituem. Como já disse, não sou ninguém para pôr em causa a citação de Kiarostami, mas, ninguém me pode contradizer quando eu afirmar que, se ele te conhecesse, a citação teria sido : "Os rostos são as paisagens mais sublimes de todas".
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