São 9 horas. Está com numa postura vertical de fazer inveja a qualquer linha recta. Pasta preta entre ambos os pés, óculos escuros, jornal de negócios aberto. Veste um fato listado, preta a cor principal, azuis as linhas, gravata algures entre o azul e o turquesa. Postura clássica de executivo, ainda não deve ter 30 anos mas esforça-se para parecer ter 40. Pode ser vendedor ou gestor, economista ou advogado. É daqueles para quem a imagem vale muito, vale pelo menos a primeira impressão e esforça-se para que essa primeira impressão seja intimidatória. Se não fosse o facto de, de dois em dois minutos, olhar para todos os lados, fiscalizar se o brilho impecável da graxa dos seus sapatos ainda se mantém, passar a mão pelo cabelo para o ajeitar, era impossível perceber a sua insegurança quase perfeitamente mascarada.
9 horas e 32 minutos. Sapatilhas sem atacadores e tão gastas que só a imaginação nos leva a crer que alguma vez tiveram alguma característica cromática. Calças de ganga ou a imitar o gasto, ou então gastas para além de qualquer prazo de validade, situadas bem abaixo do rabo, o que lhe permite mostrar os boxers puxados para cima até ao umbigo. Casaco camuflado, T-shirt do che guevara, cabelo desgrenhado com aspecto mais oleoso que um big Mac em hora de ponta. Cara redonda mas não rechonchuda, impossível de reconhecer traços originais por detrás das diferentes gerações de rebeldia acniana que o transformaram numa aula prática de cubismo. Desloca-se como quem não quer saber de onde vem nem para onde vai. Não pertence ao mundo e o mundo não lhe pertence, aliás, não há mundo, pelo menos um mundo em que se sinta. Escarra para o chão com a mesma Homérica indiferença com que pontapeia duas latas de cerveja que encontra no caminho espalhando a sua atitude de QSF (quer dizer “que sa foda” mas é óbvio que não escreverei coisas dessas no meu blog).
12 horas e 45 minutos. Desce na escada rolante com uma postura esfíngica, olhar em frente para o vazio do destino, corpo hirto e imperturbável. Sabe que não vale a pena olhar à volta, sabe que é ela que tem que ser contemplada, ela, obra prima da criação, costela elevada à divindade. É mais alta do que a média, tem uns cabelos aloirados ondulantes que se espalham pelos ombros como guarda de honra de um pescoço mais comprido que o normal. Top preto suficientemente pequeno para mostrar quanto baste para despertar o desejo de sonhar com o resto, calças quatro números abaixo do normal de forma a não criar qualquer ruído que nos impeça de perceber que as curvas do seu corpo foram esculpidas por poetas. Não é humana, pelo menos não como defino a humanidade. Carrega em si em potência o drama dos que gostam de se ver acima dos outros. Mais cedo ou mais tarde os outros fazem-lhes a vontade e chutam-nos para fora deste círculo em que só os imperfeitos convivem, porque a perfeição é como a fruta em calda, na quantidade suficiente sabe bem, no exagero enoja.
12 horas e 54 minutos. Baixa, magra, cabelo preto apanhado numa trança até metade das costas. Não anda, saltita suavemente como quem acha a força da gravidade uma perda de tempo. Tem uma mala à tiracolo e o telemóvel numa mão, sorri. Nada do que se passa à sua volta importuna a sua caminhada mas a sua caminhada deixa um rasto de cor e de som que até nas pedras da calçada se entranha. Se existisse uma escala de evolução para aplicar às mulheres, ela estava no topo. Pertence à classe de mulheres que são amadas e sabem-no, não há ser mais perfeito na criação ou evolução. Vê-se pela forma como sorri, identifica-se pelo tom em que fala, adivinha-se na suave dança dos seus movimentos. Nisso elas são diferentes de nós, e ainda bem. Uma mulher amada é uma ode triunfal, uma sinfonia de felicidade e uma luz que ilumina, aquece e não se esgota. Infelizmente tenho-me cruzado com poucas nos últimos tempos, mas esta é claramente uma delas.
Por esta altura devem estar a perguntar que raio de relatos são estes, é muito simples e passo a explicar. O que estas quatro pessoas têm em comum é que se cruzaram comigo hoje, estavam todas elas a fumar um cigarro e só me apeteceu, independentemente do sexo, idade ou aspecto, beijá-las na boca e sugar-lhes todo o ar dos pulmões.
Esta é a medida do meu desespero !
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